Desde que foi descoberta, em 2006, até o recorde de produção, em setembro deste ano, a reserva de petróleo do pré-sal é considerada uma das principais riquezas do Brasil. Apesar de todas as dificuldades tecnológicas que sua exploração impõe, por estar a 300 quilômetros (km) da costa e sob mais de 2 km de camada de sal, superou todas as expectativas iniciais. Tanto que os leilões realizados em 2017 e em 2018 atraíram gigantes petrolíferas estrangeiras e renderam mais de R$ 16 bilhões em bônus de outorga para os cofres da União.
A mudança no marco regulatório durante o governo Michel Temer permitiu a entrada de players globais na exploração do pré-sal e fez com que as projeções ficassem mais otimistas para o setor. Em 2026, a produção do país poderá chegar a 5,4 milhões de barris por dia, de acordo com estimativas do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP). Se for confirmada, a marca vai representar um crescimento de 68% ante o resultado de setembro de 2018. Segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a produção brasileira foi de 3,196 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boe/d, que equivale ao óleo mais o gás). Somente o pré-sal totalizou 1,783 milhão de boe/d, com uma participação recorde de 55,8% em setembro.
O Campo de Lula, localizado na bacia de Campos, só iniciou a produção dois anos depois da descoberta. Foi em setembro de 2008 que o primeiro óleo originário do pré-sal foi produzido, extraído do campo de Jubarte, também na bacia de Campos. Até os leilões dos últimos dois anos, realizados por regime de partilha e que ainda não resultaram em produção, a Petrobras figurou como protagonista na exploração.
Recordes
Nesses 10 anos, a estatal brasileira atingiu a marca de 1,5 milhão de barris por dia (bpd), mais que o Reino Unido ou Omã, no Oriente Médio, cada qual com produção média de 1 milhão de bpd em 2017. A empresa tem 21 plataformas em operação e a expectativa é que o volume produzido no pré-sal aumente progressivamente até 2022, com a entrada em operação de mais 13 plataformas e investimentos da ordem de US$ 35 bilhões.
“Desde os primeiros desafios na exploração em águas profundas, a Petrobras teve a ambição de transformar o pré-sal em algo competitivo na indústria brasileira e reconhecido internacionalmente como uma das melhores oportunidades da área de óleo e gás. Ao longo desses 10 anos, a companhia superou os desafios e alcançou os ganhos planejados inicialmente”, afirma a companhia, em nota. A estatal acredita que ainda pode avançar muito. “No futuro próximo, a cada quatro projetos, três serão do pré-sal. Portanto, a companhia prevê crescimento da produção nos próximos anos”, diz. Hoje o Campo de Lula, localizado na Bacia de Santos, é o maior campo em produção no Brasil, superando 1 milhão de barris de óleo equivalente.
Projetos
O avanço na carteira de projetos da petroleira brasileira sustenta a expansão da produção. Além dos novos sistemas que já iniciaram a produção em 2018 (P-74, no campo de Búzios, FPSO Cidade de Campos de Goytacazes, nos campos de Tartaruga Verde e Tartaruga Mestiça, e P-69, no campo de Lula Extremo Sul), a Petrobras pretende dar início à produção de outras plataformas. “Até 2022, a empresa ambiciona alcançar uma produção total de petróleo e gás (Brasil e internacional) de 3,5 milhões de boe e planeja investir US$ 60,3 bilhões em exploração e produção, sendo que 58% são direcionados ao pré-sal”, destaca.
Na opinião de Maurício Jaroski, consultor de energia MaxQuim, agora é a hora de o pré-sal realizar a grande expectativa que sempre se teve em torno da reserva. “A Petrobras se recuperou e começou a ter dinheiro para investir”, diz. Ele se refere ao período em que as contas da estatal foram combalidas pelo esquema de corrupção que deu origem à Operação Lava-Jato.
Para o presidente do IBP, José Firmo, o pré-sal superou todas as expectativas. “A descoberta trouxe a surpresa positiva de um reservatório de excelente qualidade, com potencial técnico bom e volumes muito grandes”, lembra. Contudo, o segundo impacto foi desafiador, porque era preciso perfurar mais de 2 km de sal e solucionar a questão do gás sulfídrico, o H2S, que não podia ser queimado, nem enviado para terra. “Foi preciso encontrar uma solução tecnológica para capturar o gás e injetá-lo de volta”, conta.
Além disso, o especialista ressalta que a evolução tecnológica acelerou a velocidade de perfuração. “Antes, os poços eram perfurados em mais de 250 dias. Hoje, levam menos de 100 dias, com recordes de 60 dias. Isso baixa o custo e permite acelerar a produção”, afirma. Firmo assinala que o Campo de Libra se mostrou mais produtivo do que se esperava. “É um dos maiores do mundo”, acentua.
Conforme a ANP, só uma área licitada no regime de partilha está na fase de produção, justamente o Campo de Libra, da 1ª Rodada realizada em 2013, que deu origem ao campo de Mero. “Os demais campos em operação no pré-sal são anteriores à Lei de Partilha e, portanto, originários de blocos concedidos. Alguns deles produzem no pré e no pós-sal”, detalha a agência. “Ainda não é possível ter uma estimativa de produção para as áreas das rodadas 2 a 5”, acrescenta. Isso porque a 2ª e a 3ª rodadas tiveram seus contratos assinados em janeiro deste ano e ainda estão no início da fase de exploração. Já a 4ª e a 5ª rodadas têm previsão de assinatura dos contratos para dezembro, ou seja, as empresas nem começaram as atividades nesses blocos.
A participação das gigantes petrolíferas nos últimos leilões confirmou a atratividade do pré-sal, avalia Miguel Neto, sócio-sênior do escritório Miguel Neto Associados. “Quanto mais flexível e menos intervencionista o país é, maior a atração de capital estrangeiro. As grandes empresas fizeram investimentos no escuro, mesmo diante da incerteza eleitoral, porque houve redução da exigência de conteúdo local e fim da obrigatoriedade da presença da Petrobras como operadora”, pontua.
Neto destaca que o aporte inicial está em pesquisa. “O grosso do investimento vem depois, mas essas empresas mundiais detêm tecnologias que dão previsibilidade sobre o que há na área. Isso é um sinal muito forte de que tudo o que se espera do pré-sal está lá.”
Futuro
José Firmo, do IBP, alerta para a janela de oportunidade do pré-sal diante das mudanças que o futuro guarda para o setor de energia. “A sociedade tende a migrar para energias de baixo carbono, o que significa que a janela de oportunidade do petróleo é finita, porque a tendência é ser cada vez menos relevante na matriz energética”, ressalta. Como reserva nenhuma, por maior que seja, tem valor até ser convertida em riqueza, Firmo diz que é preciso desenvolver essa conversão em velocidade cada vez maior.
Só com a Petrobras, o tempo seria maior e as projeções, menores. Para o IBP, nesse cenário de calmaria, a produção do Brasil estacionaria em 3 milhões de bpd em 2026. “A demanda do setor é crescente nos próximos 20 anos. Atualmente, cresce a uma taxa de 1,5% ao ano. Depois será estável por 10 anos e, em seguida, decrescente. O fato de atrasar conversão de reserva em riqueza poderia significar perder a janela de oportunidade do pré-sal”, afirma.