APLICAÇÃO DE JUROS SOBRE JUROS EM DECISÕES TRABALHISTAS CONTRARIA STF

Decisão recente do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, na Reclamação 46.023, reavivou debate das correções monetárias na Justiça do Trabalho. A controvérsia gira em torno da aplicação da Selic. Juízes de 1ª Instância seguem aplicando, além da taxa básica (hoje 2% ao ano), juros de 1% ao mês.

A reclamação julgada por Alexandre questiona uma sentença dada por uma juíza do trabalho em Araçuaí (MG). Ao analisar a matéria, o ministro entendeu que só deve ser aplicada a taxa Selic, já que a taxa é um índice composto, isto é, serve a um só tempo como indexador de correção monetária e também de juros moratórios, nos termos do artigo 406 do Código Civil. Alexandre fundamentou a sua decisão em precedentes da corte.

“O STF, seguindo o voto do ministro Gilmar Mendes, relator das ADCs 58/59 e das ADIs 5.867 e 6.021, definiu que é inconstitucional a aplicação da Taxa Referencial (TR) para a correção monetária de débitos trabalhistas e de depósitos recursais no âmbito da Justiça do Trabalho”, explica Ricardo Calcini, professor de Direito do Trabalho da pós-graduação da FMU, coordenador editorial trabalhista da Editora Mizuno e colunista da ConJur.

Calcini acrescenta que os ministros, por maioria de votos, decidiram que, até que o Poder Legislativo delibere sobre a temática de atualização do crédito trabalhista, devem ser aplicados o Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), na fase pré-judicial, e, a partir da citação, a taxa Selic, correspondentes aos índices de correção monetária vigentes para as condenações cíveis em geral.

O especialista explica que a polêmica gira em torno dos juros de mora, que, na Justiça Trabalho, são aplicados à razão de 1% ao mês na forma do artigo 883 da CLT, que não foi debatido nas ações julgadas pelo STF.

“Segundo jurisprudência que se consolidou no âmbito do STJ, a taxa Selic já pressupõe em sua composição a incidência não só da correção monetária propriamente dita, como também os juros moratórios. E aqui reside, justamente, a problemática já que cômputo de juros sobre juros se traduz na prática do anotocismo, o qual é vedado pelo ordenamento jurídico”, explica ao citar a Súmula 121 do STF.

Apesar de ainda não ser uniforme, o entendimento do STF já vem sendo aplicado. Essa é a opinião do advogado Diego Amorim Santos, do escritório MNA, Miguel Neto Advogados.

“Estamos obtendo êxito em todos os casos que atuamos nesse sentido. Tanto em sentenças como em recursos e em processos já em fase de execução. Sempre conseguimos reverter”, afirma.

Olga Vishnevsky Fortes, juíza  do TRT-2 e presidente em exercício da Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho, diverge em parte da decisão. “Se é certo que não se permite a aplicação da Selic acrescida dos juros de mora, não menos certo é a longínqua resolução do problema da correção monetária e juros dos créditos trabalhistas:  aplicar o disposto no parágrafo único do artigo 404, do Código Civil para conceder a indenização suplementar (que poderia ser a diferença entre a Selic e o IPCA-E), seria descumprir, por via reflexa, a decisão do STF na ADI 5867 e ADC 58 e 59? Poderia o juiz fazê-lo de ofício?”, questiona.

A magistrada entende que a aplicação da Selic haveria de ocorrer a partir da citação, como ocorre no processo civil, ou da distribuição, como haveria de ocorrer no processo do trabalho. “Todos os entendimentos encontram fundamentos robustos, tanto para respostas negativas quanto para as positivas. Aguardemos”, sustenta.

Para o advogado Carlos Eduardo Dantas Costa, sócio do Peixoto & Cury Advogados, a problemática em torno da aplicação de juros sobre mora evidencia uma série de problemas da Justiça do Trabalho.

“A decisão cassada por meio da Reclamação 46.023 retrata um pouco de tudo o que há de pior na Justiça do Trabalho: indisciplina judiciária, insegurança jurídica, ativismo e parcialidade”, diz.

O advogado sustenta que a decisão proferida na ADCs 58 e 59, que fixou a forma de correção dos débitos trabalhistas, expressamente menciona que sua aplicação deverá se dar com eficácia erga omnes e efeito vinculante, ou seja, impõe que todos os integrantes do Poder Judiciário observem os critérios lá estabelecidos. Tudo muito bem claro e objetivo. “Mas aí, o magistrado trabalhista que ‘não gostou’ da decisão resolve abrir sua ‘caixa de ferramentas’, para fazer uma construção principiológica que culmina com uma verdadeira ‘bicicletada jurídica’ na decisão proferida pelo Pleno do STF, e vai tudo pelos ares”, lamenta.

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