A volta às aulas com regime híbrido em diversas escolas, com parte das aulas presenciais e parte on-line, além de revezamento de dias ou semanas, trouxe um complicador a mais para a rotina dos profissionais que são pais ou mães e também para os empregadores.
Mesmo nos casos de home office ou de maior liberdade para alternar o trabalho presencial e remoto, o malabarismo das famílias para conseguir organizar a rotina dos filhos ficou ainda mais difícil, exigindo uma maior negociação com as empresas sobre a flexibilização da jornada de trabalho e dos horários.
A recomendação dos especialistas em Recursos Humanos e relações de trabalho é que trabalhadores e empregadores busquem um acordo que atenda as necessidades de ambas as partes e que tanto os profissionais como as empresas tenham maior sensibilidade e flexibilidade neste momento de volta ainda nada normal das aulas e de boa parte da economia.
“Em um momento como o que vivemos, flexibilidade e empatia tornam-se mais importantes do que nunca”, afirma Fernando Mantovani, diretor-geral da consultoria de recrutamento Robert Half.
Veja abaixo dicas de como negociar uma maior flexibilização da jornada e de horários, e perguntas e respostas sobre direitos e deveres dos empregados e empregadores neste tipo de situação.
Pais e mães podem solicitar flexibilização na jornada?
A advogada trabalhista Amanda Momenté, do escritório Miguel Neto, explica que os profissionais que são pais podem solicitar uma flexibilização tanto da jornada como dos horários para poderem acomodar tarefas domésticas como levar e buscar os filhos na escola.
“Nós estamos vivendo um momento muito único, que exige sensibilidade e compreensão das partes. Tanto o empregador precisa entender que seu empregado tem uma nova necessidade, como o empregado também tem que entender que a demanda da empresa continua. Portanto é importante que exista diálogo entre as parte.”, afirma.
Segundo a especialista, um dos caminhos pode ser a compensação através do controle do banco de horas, mas respeitando os intervalos de descansos. “O trabalhador pode trabalhar uma hora a mais num dia para no outro dia sair uma hora mais cedo”, explica.
“A empresa e as lideranças precisam conhecer suas equipes e entender que cada colaborador tem suas questões particulares para personalizar a nova dinâmica. O mesmo vale para o profissional, que deve compreender os negócios da organização para sugerir uma alteração de horários ou até mesmo o trabalho remoto/presencial”, diz Sergio Margosian, gerente sênior da consultoria Michael Page.
O que pode e o que não pode ser negociado?
Nos casos em que a empresa já tem uma política de teletrabalho ou home office, a flexibilização da jornada e horários tende a ser mais fácil.
Para muitas atividades, entretanto, especialmente as que dependam de equipamentos industriais ou altamente dependentes de mão de obra presencial, o trabalho remoto “é impossível”, segundo o especialista em direito do Trabalho José Carlos Wahle, do escritório Veirano Advogados, que lista o que pode e o que não pode ser negociado:
- Pode: adotar flexibilidade moderada nos horários início e término do trabalho e nos intervalos; negociar prazos e ajustar procedimentos; e fazer pausas para acomodar tarefas domésticas.
- Não pode: trocar o dia pela noite ou trabalhar em horários exóticos; deixar de ter intervalo para refeição e descanso; descumprir programação de trabalho e prazos de entrega; deixar de comparecer a reuniões virtuais; e descumprir as regras de segurança tecnológica.
Como formalizar os ajustes e compensações?
A recomendação é que a negociação seja formalizada por meio de um documento para dar maior segurança tanto para os empregados como para os patrões.
Segundo Momenté, dependendo do caso basta uma troca de email, mas, se a situação for corriqueira, o ideal é ter um documento que registre exatamente o que ficou estabelecido entre as partes.
“O e-mail é sim uma opção, porque fica registrado, mas o melhor é que seja um acordo por escrito, com a assinatura das partes formalizando toda a situação. Pois assim, o empregado tem a autorização para começar a jornada mais tarde em determinados dias ou mesmo para não ir trabalhar em um dia e compensar em outro durante a semana, sem que tudo isso implique em desconto na folha de pagamento e mesmo que a situação reiterada ela implique em faltas como advertências, suspensão e que pode levar até mesmo a uma dispensa por justa causa”.
O que a empresa pode exigir ou negar?
Ainda que a negociação seja o mais recomendado, os especialistas explicam que as empresas podem continuar exigindo produtividade e não são obrigadas a aceitar o trabalho remoto para acomodar rotinas de estudos dos filhos.
“O contrato de trabalho não mudou. Tanto a empresa, quanto o empregado, precisam seguir o que foi acordado, com a mesma carga horária. O que acontece hoje é que há uma flexibilização maior”, diz Margosian. “Um ponto muito importante de tudo isso é combinar as entregas, metas e o que é esperado”, acrescenta.
Vale lembrar também que, de acordo com as regras do teletrabalho, os empregadores podem exigir o retorno às atividades presenciais a qualquer tempo, desde que autorizadas pelos governos.
“A empresa pode exigir o cumprimento de prazos e de uma rotina mínima, adaptada à nova modalidade, também pode exigir que o empregado compareça ao escritório esporadicamente para tarefas específicas”, destaca afirma Wahle.
Posso continuar em home office após o início do retorno gradual?
Embora o mais recomendado seja a manutenção das atividades em home office, sempre que possível, principalmente para aqueles que são considerados do grupo de risco, é preciso que haja um acordo entre empregado e empregador.
“Pelo ponto de vista prático, desde que de acordo com as orientações e protocolos de saúde, a empresa pode exigir o retorno presencial de seus funcionários. No entanto, em um contexto que segue sendo fortemente influenciado pela pandemia e pela insegurança que a acompanha, exigências como essa podem influenciar negativamente o ambiente organizacional”, afirma Mantovani, da Robert Half.
O que fazer se a empresa não permitir uma flexibilização?
Se a empresa não conceder a flexibilização, a recomendação é que os profissionais mantenham o diálogo para tentar explicar seu momento e também busquem entender as necessidades da empresa.
“Em casos raros, é possível negociar uma licença não remunerada, por prazo moderado, para proporcionar algum tempo para ajuste de rotinas domésticas. Mas a empresa não é obrigada a conceder”, explica Wahle.
Já a rescisão do contato por acordo deve ser avaliada só em último caso, quando não for possível acomodar as necessidades pessoais e profissionais.
“É muito importante aprender a trabalhar com limites para si e para o ambiente – seja ele com filhos ou no trabalho. É imprescindível fazer isso para si mesmo e para o externo. Após essa definição de limites, como é que posso negociar? Isso é a flexibilidade. Mas é preciso entender que o limite deve ser um orientador e nunca uma muralha impeditiva”, afirma Wilma Dal Col, diretora do ManpowerGroup.
A empresa pode me demitir por justa causa?
Os especialistas lembram que a lei é sempre o limite das condutas do empregado e da empresa. Mas se o empregado se recusar a trabalhar sem justificativa, isso pode ser considerado como abandono de emprego e resultar na demissão por justa causa.
“A dispensa por justa causa, claro, é uma situação muito extrema, sobretudo porque estamos falando de um momento atípico, que requer compreensão e sensibilização das partes. Mas ela pode vir a acontecer – para tanto, é necessário que o empregado tenha cometido algo muito grave”, afirma Momenté.
Margosian, da Michael Page, alerta, porém, que empresas pouco flexíveis correm o risco de perder atratividade para profissionais mais qualificados. “Provavelmente, com o tempo, colaboradores podem deixar de trabalhar em locais pouco flexíveis e começar a buscar lugares com maior possibilidade de negociação”.