É o fim da WeWork? Empresa avisa que tem ‘substanciais dúvidas’ sobre seu futuro, e ações desabam 26%

Anúncio foi feito poucos meses após acordo com credores para cortar dívidas em US$ 1,5 bilhão. Startup de coworking entrou em crise na pandemia

As ações da WeWork despencaram 26% logo após a abertura dos mercados em Nova York nesta quarta-feira, um dia após a empresa dizer que há “dúvida substancial” sobre sua capacidade de continuar operando. Em comunicado, a empresa de compartilhamento de escritórios citou perdas seguidas e o cancelamento assinaturas para o uso de seus escritórios.

Antes da pandemia, a WeWork era uma das startups queridinhas do mercado com seu modelo de negócios inovador: oferecer escritórios compartilhados para trabalhadores que atuam para diversas empresas ou trabalham por conta própria. Virou uma febre entre investidores e se expandiu com força.

Mas as quarentenas impostas pela pandemia e a mudança radical nos escritórios no pós-pandemia, com o avanço do trabalho híbrido e remoto, foram um golpe para a empresa.

Ainda assim, em outubro de 2021, a empresa lançou ações na Bolsa. Mas, desde então, acumula perdas e já viu seu valor de mercado encolher em nada menos do que US$ 9 bilhões. Na manhã desta quarta-feira, suas ações eram negociados por apenas 16 centavos de dólar.

No comunicado em que alerta sobre os riscos de continuar existindo, a WeWork afirma que, nos próximos 12 meses, vai se concentrar na redução dos custos de aluguel, na negociação de contratos de locação mais favoráveis, no aumento da receita e na captação de recursos, acrescentou o comunicado divulgado nesta terça-feira.

O alerta de que a empresa pode simplesmente acabar acontece poucos meses depois de a WeWork fechar um acordo com alguns de seus maiores credores e com o SoftBank para reduzir sua dívida, então avaliada em cerca de US$ 1,5 bilhão.

Ascensão e queda

 

Poucas empresas cresceram tão rapidamente para, em seguida, irem ao colapso então pouco tempo. Criada por Adam Neumann e Miguel McKelvey em 2010, a empresa alugava grandes salas em prédios comerciais para criar escritórios compartilhados e, depois, oferecer esses espaços a trabalhadores com cobranças por horas, dias ou meses de uso.

Há alguns anos, a WeWork era uma das startups mais valiosas dos Estados Unidos e se beneficiou também de um cenário de juros baixos, que levava os investidores a buscarem startups para investir.

Em 2019, a empresa era a maior ocupante privada de escritórios em Manhattan e Londres, operava milhões de metros quadrados em dezenas de países e era avaliada em US$ 47 bilhões.

Gastos extravagantes

 

Cheio de dinheiro e impulso, Neumann tentou abrir o capital da empresa em 2019, mas a tentativa de uma oferta pública inicial fracassou. Os investidores ficaram relutantes diante do que avaliram ser gastos excessivos da empresa. Seu cofundador Adam Neumann foi demitido no fim daquele ano, a empresa passou por uma reestruturação e recebeu um aporte do SoftBank.

Um novo CEO, Sandeep Mathrani, assumiu em fevereiro de 2020, prometendo estancar o sangramento da empresa mas, um mês depois, os escritórios em todo o mundo fecharam, em função da Covid-19.

A ocupação dos escritórios da WeWork caiu para menos da metade. A recuperação foi lenta e levou mais de dois anos até que os escritórios da WeWork voltassem a estar tão cheios quanto no final de 2019.

Sem CEO permanente

 

A WeWork parecia ter estancado a crise em março, quando fechou um acordo com alguns de seus maiores credores e com o SoftBank para cortar sua dívida e estender outros vencimentos. Mas, em maio de 2023, após três anos no cargo, Mathrani deixou a empresa para trabalhar na Sycamore Partners.

À medida que a pandemia se arrastava, a WeWork insistia que a mudança para o trabalho remoto e híbrido na verdade favoreceria a empresa, em vez de enfraquecer seus negócios. Os empregadores seriam mais cautelosos em assinar contratos de arrendamento de longo prazo e, em vez disso, recorreriam aos modelos flexíveis da WeWork, argumentou a empresa.

Mas essa transição prevista pela WeWork não está ocorrendo em ritmo suficientemente rápido para gerar receitas para empresa. No comunicado divulgado nesta terça-feira, a empresa disse que mais clientes estavam saindo de seus escritórios e novos membros estavam se inscrevendo na empresa em ritmo menos intenso do que o previsto.

Efeitos no Brasil ainda não estão claros

 

Os efeitos no Brasil de uma possível falência do WeWork ainda não estão claros. Desde 2021, a operação regional da América Latina funciona a partir de uma joint venture com o banco de investimentos japonês SoftBank. O modelo foi adotado pela empresa em outro mercados, como Japão, China e Israel.

Com a joint venture, o SoftBank passou a ser responsável exclusivo pelo uso da marca no Brasil, Argentina, Chile, Colômbia e México. Segundo registro da empresa na Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC), o Softbank comprou 71% da operação latino-americana da WeWork pelo valor, na época, de US$ 80 milhões. A WeWork Global, no entanto, manteve a maior parte das ações que dão direito a voto.

O advogado Romeu Amaral, doutor em Direito Comercial pela USP e sócio fundador da Allaw Advogados, explica que, em um processo de falência na justiça americana, os credores da WeWork poderiam incluir operações regionais das quais a empresa tem controle, como é o caso da América Latina.

— Se a sociedade americana tivesse controle da operação, em uma caso de insolvência, a empresa entraria em um sistema que é o da insolvência transnacional. Aí teria uma cooperação internacional entre os juízes. Tem todo um arcabouço internacional para isso — explica o advogado.

José Antonio Miguel Neto, sócio fundador do escritório Miguel Neto Advogados; lembra que, a depender do contrato entre a empresa o banco, uma das saídas é compra, pelo SoftBank, dos 29% que a WeWork Global mantém da operação na América Latina.

—Se não existir essa cláusula no contrato (que criou a joint venture), as ações muito provavelmente podem ir a leilão para ajudar a pagar as dívidas da empresa no mercado americano — diz Miguel Neto.

Procurado pelo GLOBO, o SoftBank não se pronunciou sobre os efeitos locais de um pedido de falência da WeWork. Em nota, a WeWork informou que o anúncio do relatório de resultados Global não tem impacto nas operações atuais da WeWork LatAm.

“Continuamos concentrados em proporcionar a experiência excepcional que oferecemos aos nossos membros, ao mesmo tempo em que executamos nosso plano para melhorar nosso negócio”, acrescenta a companhia.


Publicado no O Globo.

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