São Paulo, 16/10/2023 – A disputa do uso exclusivo da marca Iphone no Brasil – que voltou à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) na última sexta-feira, 13 – pode gerar um impacto multimilionário tanto para a Gradiente quanto para a Apple, a depender do resultado. Se a Gradiente for vencedora, o uso da marca Iphone pela Apple será automaticamente considerado ilegal no Brasil. Com isso, a empresa brasileira pode pedir uma indenização à Apple por todo o lucro que deixou de ter com a venda dos aparelhos celulares pela concorrente. Ela também pode pedir a suspensão das vendas de iPhones no Brasil, segundo advogados especialistas ouvidos pelo Broadcast.
A indenização pode beneficiar particularmente a Gradiente, que estava em recuperação judicial entre 2018 e maio deste ano. A receita da companhia, que já foi uma das maiores do setor de eletroeletrônicos do País, é baseada hoje no aluguel de imóveis na Zona Franca de Manaus e em royalties sobre as vendas no licenciamento da marca para uma importadora e fabricante de eletroportáteis e caixas de som. A empresa saiu oficialmente da B3 em junho deste ano, após a conclusão da oferta pública de aquisição de ações (OPA) lançada pela controladora HAG Holding Ltda.
O placar no STF está 3 a 2 a favor da Apple. Os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso entendem que a marca Iphone remete mundialmente à Apple e que dar a exclusividade da marca à Gradiente iria ferir a livre concorrência e a livre iniciativa. Já os ministros Dias Toffoli, relator do caso, e Gilmar Mendes afirmam que a Gradiente deve ter o direito integral, já que foi a primeira a registrar a marca no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), órgão responsável pela concessão de marcas e patentes no Brasil.
O pedido de registro no INPI pele Gradiente ocorreu em março de 2000. Nessa data, a Gradiente pediu para registrar a marca “Gradiente Iphone” para lançar um produto de mesmo nome naquele ano. A solicitação foi acatada somente em novembro de 2007, quase um ano antes do lançamento do Iphone no Brasil. Em 2013, a Apple foi à Justiça pedir a nulidade parcial da marca para não permitir que a Gradiente use a palavra Iphone isoladamente, o que foi acatado nas instâncias inferiores. Desde então, a Gradiente só tem direito a usar a marca “Gradiente Iphone” e não de maneira isolada. A disputa judicial vai definir quem tem o direito de uso exclusivo e isolado da expressão Iphone.
Danos morais e patrimoniais
As consequências imediatas do julgamento, se a Gradiente vencer, é o INPI negar as solicitações da Apple para o registro da marca Iphone, segundo o advogado especialista em propriedade intelectual Fábio Pimentel, sócio do escritório de advocacia Pimentel Aniceto Advogados. Já a segunda implicação é o pedido de danos morais e patrimoniais. “Uma vez reconhecido que o registro de marca é válido, a Gradiente pode entrar com uma ação contra a Apple pelo que seria o uso indevido da marca Iphone”, diz.
Segundo Pimentel, alguns dos critérios para quantificar uma sentença de dano patrimonial são os lucros auferidos pela empresa que violou o direito de marca e os benefícios que a empresa violada deixou de ter. O último balanço anual da Apple indica uma receita de US$ 205,4 bilhões (cerca de R$ 1 trilhão) com a venda de iPhones nas Américas, região que representa cerca de 40% do faturamento da empresa.
Prejuízos
Se a Apple sair vencedora, prevalece a ideia de que as marcas “iPhone” e “Gradiente Iphone” podem coexistir e o INPI deve aprovar os pedidos de registro da empresa americana. Porém, na visão do advogado Fábio Pimentel, os efeitos políticos e econômicos de uma decisão nesta linha relativizam, no Brasil, as regras internacionais de proteção de marcas.
“A proteção de propriedade intelectual é muito mais do que diz a lei, é um compromisso internacional firmado pelo Brasil com vários países através de convenções, como a Convenção de Paris, para uniformizar as regras de proteção. A partir do momento em que o STF diz que não é bem assim, o Brasil diz ao mundo que aqui se relativiza o direito de propriedade intelectual”, afirma.
Uma vitória da Apple ainda gera “uma mudança significativa na interpretação da legislação brasileira que rege o tema”, segundo o advogado especialista em propriedade intelectual e direito empresarial Pedro Tinoco, sócio do escritório Almeida Advogados. “A precedência no depósito ou registro não será determinante para garantir a exclusividade no uso de determinada marca, sendo necessário avaliar a extensão da utilização e impacto no público consumidor”, afirma Tinoco.
Tendência
Especialistas afirmam ser difícil prever qual seria o voto dos ministros que ainda vão se posicionar – Cristiano Zanin, André Mendonça, Kássio Nunes Marques e Cármen Lúcia. Porém, o advogado José Nantala Bádue Freire, consultor do Miguel Neto Advogados, relembra que quando o STF decidiu sobre a impossibilidade de prorrogação do prazo das patentes, em 2021, apenas Barroso e Fux votaram a favor da extensão do prazo.
“Os outros ministros acompanharam o relator, Dias Toffoli, pela inconstitucionalidade do dispositivo, que possibilitaria a prorrogação indefinida da proteção das patentes. No caso da Gradiente contra a Apple, Fux e Barroso novamente concordam entre si”, afirma. Freire pontua que Mendonça, Marques e Zanin ainda estão no início das atividades na Corte e, por isso, suas posições ainda são desconhecidas nesse assunto.
Sem resposta
O Broadcast procurou a Apple e Gradiente através da assessoria de imprensa e advogados que trabalham no caso. Eles não quiseram comentar. A reportagem também procurou o diretor presidente do Grupo Gradiente, Ricardo Staub, que disse não falar do assunto no momento.
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Publicado em Agencia Estado Broadcast.