O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) tem emitido liminares que afastam a exigência do imposto sobre transmissão intervivos de bens imóveis (ITBI) antes da transferência da propriedade imobiliária, que acontece com o registro em cartório. A decisão, que segue a jurisprudência vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF), é favorável aos contribuintes.
Conforme estabelece o art. 156, II da Constituição Federal, o ITBI é um imposto de competência dos municípios que visa tributar a transferência “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis e outros direitos reais sobre imóveis. No Direito brasileiro, essa transferência ocorre somente mediante registro em cartório, segundo determina o art. 1.245 do Código Civil.
Apesar da clareza desses dispositivos, não é raro que os municípios, na ânsia arrecadatória, busquem interpretações heterodoxas sobre a incidência do ITBI, ora atribuindo — ou arbitrando — bases de cálculo de forma não prevista na legislação. Também não são raras as vezes em que exigem o pagamento do imposto em momento anterior ao da ocorrência do fato gerador — no caso, o registro do título no Registro de Imóveis.
E essa postura é adotada ainda que, em 11 de fevereiro de 2021, o STF, ao julgar o recurso extraordinário com agravo (ARE) nº 1.294.969 — com repercussão geral reconhecida — tenha reafirmado a sua jurisprudência no sentido de que “o fato gerador do ITBI ocorre somente com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, que se dá mediante o competente registro”.
No caso julgado pelo STF, o município de São Paulo buscava cobrar o ITBI na cessão de direitos decorrentes do compromisso de compra e venda, que não tem o condão de transferir a propriedade.
Diante disso, o relator Ministro Luiz Fux, com amparo em ampla jurisprudência do STF, esclareceu que, nos termos do art. 1.245 do Código Civil, a transferência da propriedade se dá apenas com o registro em cartório, afastando a exigência do ITBI em momento anterior a esse. Como a decisão foi proferida em repercussão geral, ela deveria ser aplicável a todas as relações jurídicas. Em regra, no entanto, não é esse o posicionamento que as autoridades administrativas costumam adotar.
Cabe ressaltar que, apesar da decisão ter versado sobre cessão de compromisso de compra e venda, ela é aplicável, em tese, a qualquer tipo de operação que não envolva a efetiva transferência da propriedade. Esse é o caso, por exemplo, da conferência de bens imóveis para integralização de capital social da sociedade por seus sócios.
Concessão de liminares
É com base nesse entendimento do STF que contribuintes estão obtendo liminares favoráveis na justiça de São Paulo.
A Lei nº 11.154/91 do município, em seu art. 12, prevê que o ITBI será pago antes de se efetivar o ato ou contrato sobre o qual incide, se por instrumento público e, no prazo de dez dias de sua data, se por instrumento particular. Especificamente para conferência de bens imóveis para integralização do capital social, a orientação do site do município de São Paulo é de que “a Declaração de Transações Imobiliárias deverá ser preenchida e o respectivo ITBI-IV, pago, até a data da escritura pública, ou dentro de dez dias da data do contrato social ou alteração contratual, sob pena de multa de 0,33%, por dia de atraso, sobre o valor do imposto, até o limite de 20%, além de atualização monetária e juros de 1% ao mês” (g.n.).
Em recente decisão proferida pelo juiz Luís Antonio Nocito Echevarria, da 9ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, ao analisar o Mandado de Segurança nº 1079148-49.2021.8.26.0053, foi concedida liminar ao contribuinte para, dentre outros assuntos, suspender a exigibilidade no pagamento do ITBI antecipadamente, conforme exige o artigo 12. O argumento usado pelo juiz foi o de que o “registro imobiliário que é constitutivo da propriedade, não tendo efeito meramente regularizador e publicitário, deveria ser tomado como fato gerador do ITBI”. A decisão, portanto, vai ao exato encontro do que o Supremo Tribunal Federal já havia decidido.
É uma lástima que as autoridades administrativas, devido à sua clara intenção arrecadatória, continuem ignorando o entendimento do STF e gerando insegurança jurídica. Essa situação obriga os contribuintes a ingressarem com ações na Justiça, sobrecarregando ainda mais o sistema judiciário.