Moraes pede vista em julgamento sobre contribuição a sindicatos

A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) mudar a jurisprudência sobre a cobrança de contribuição assistencial a trabalhadores não sindicalizados, segundo especialistas, abre brecha para a introdução de uma nova contribuição obrigatória no país, o que é considerado um “retrocesso”. E, mais preocupante, dizem, sem o crivo do Congresso Nacional, a quem caberia legislar. O tema estava em análise no Plenário Virtual, mas um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes suspendeu o julgamento.

Três ministros haviam votado antes da suspensão. Todos no sentido de permitir a cobrança, desde que garantido o direito de oposição aos trabalhadores. Se confirmado esse resultado, haveria mudança dentro do próprio STF, que julgou o tema em fevereiro de 2017 e considerou a cobrança inconstitucional.

A contribuição assistencial é diferente do imposto sindical, que deixou de ser obrigatório após a reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017). Até então, todos os trabalhadores formais tinham descontado da folha de pagamento um dia de trabalho no ano para o sindicato.

Já a contribuição assistencial é fixada em acordo coletivo e o valor é definido pela categoria profissional. O valor apoia o custeio do trabalho dos sindicatos, por exemplo, nas negociações de salário. Mas não pode ser exigida do trabalhador não sindicalizado. A jurisprudência, até agora, é de que ele só paga se quiser.

No mercado, esperava-se que os sindicatos mostrassem aos trabalhadores que as atividades da entidade valeriam o pagamento ou a filiação.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) – a mais alta instância na esfera trabalhista – fixou o entendimento pelo pagamento voluntário no precedente normativo nº 119, de 1998, com base no princípio constitucional que assegura o direito de livre associação e sindicalização.

Quando o STF julgou o tema, em fevereiro de 2017, o relator, ministro Gilmar Mendes, seguiu o caminho adotado no TST. Citou a súmula vinculante do STF nº 40, de 1996, que diz que a contribuição só pode ser exigida dos filiados do sindicato. Só divergiu o ministro Marco Aurélio Mello, aposentado desde 2021 e substituído por André Mendonça.

O tema volta à tona, agora, em sede de recurso (embargos de declaração) contra a decisão de 2017. Esse é o julgamento em andamento na Corte que pode provocar a reviravolta (ARE 1018459 ou Tema 935). Como está sendo analisado com repercussão geral, quando a decisão for proferida – o que ainda não tem data para ocorrer – terá efeito vinculante para o Judiciário do país.
Gilmar Mendes havia votado para manter a decisão contra a cobrança. Mudou de posição depois de o ministro Luís Roberto Barroso proferir voto em sentido contrário.

Barroso considera que a reforma trabalhista, ao colocar fim à obrigatoriedade do imposto sindical, promoveu uma importante alteração na forma de custeio das atividades dos sindicatos e as contribuições assistenciais têm de ser analisadas, agora, com base nessa nova realidade. Cita, em seu voto, que esses valores são necessários para manter os sindicatos atuantes, por exemplo, nas negociações coletivas com o sindicato patronal – o que abrange toda a categoria, não só filiados.

A ministra Cármen Lúcia também acompanhou o entendimento de Barroso. Outros oito integrantes da Corte ainda precisam votar.
Esse novo posicionamento, se confirmado, estará em linha com as discussões que vêm ocorrendo no governo federal. O presidente Lula quer propor uma nova estrutura de financiamento para os sindicatos – que perderam recursos após a reforma. Faturavam cerca de R$ 3 bilhões em 2017 e passaram a receber R$ 66 milhões em 2021, segundo dados do Ministério do Trabalho.

“A expectativa, com a decisão do STF, é de um ganho muito expressivo de receita sindical sem ter que mexer na legislação”, diz o advogado Ricardo Calcini, sócio-consultor de Chiode Minicucci Advogados – Littler Global.

Mas essa possibilidade de mudança por meio do Judiciário é criticada por especialistas e está sendo tratada como “retrocesso”. Isso porque, segundo eles, apesar de os ministros garantirem o direito de oposição ao trabalhador, na prática não seria tão fácil exercer esse direito.

Hoje, só pode haver o desconto se o trabalhador não sindicalizado informar que quer contribuir. Se a proposta de Barroso prevalecer, a situação se inverte: para não ser cobrado, o trabalhador deverá informar que não quer contribuir.

Daí surgiriam os problemas. Advogados dizem que quando a reforma foi aprovada – e o imposto sindical deixou de ser obrigatório – sindicatos ligados às principais centrais do país correram em busca de novas receitas. Uma das medidas foi, justamente, aprovar em assembleias extraordinárias o modelo agora ventilado no STF: uma contribuição assistencial com direito de oposição a trabalhadores não sindicalizados.

“Normalmente essas cláusulas têm prazo curtíssimo para oposição ou estabelecem procedimentos que são pouco ordinários”, diz Matheus Gonçalves Amorim, sócio das áreas trabalhista e previdenciária do SGMP Advogados.

Ele cita, por exemplo, que há casos em que o sindicato estabelece prazo para oposição em até cinco dias da data da publicação da assembleia. “Muitas vezes as pessoas nem são informadas. Sem contar que essa oposição, na maioria das vezes, tem que ser por escrito, com firma reconhecida e entregue em mãos ao sindicato”, acrescenta.

“Os sindicatos perderam uma forma de arrecadação que era muito importante e tentaram transformar essas contribuições em obrigatórias, para toda a categoria, para tentar suprir o caixa”, confirma a advogada Marília Grespan, do escritório Miguel Neto.

À “Agência O Globo”, o professor da PUC-Rio e economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, disse que a mudança no voto de Gilmar abriu brecha para a reintrodução de uma contribuição obrigatória. Já o economista e pesquisador da FGV/Ibre Daniel Duque destacou a “pouca transparência” sobre o uso desses recursos.

No recurso em análise no STF, o Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba alega que não se pode confundir a liberdade negativa de filiação com o dever de solidariedade, de retribuir a representação pelo sindicato nas negociações coletivas. Aponta ainda que as categorias obtêm benefícios como aumento de salários, plano de saúde, PLR etc em razão da atuação do sindicato, “independentemente de filiação”.

Segundo a professora de direito do trabalho da FGV Direito SP, Olívia Pasqualeto, após a reforma trabalhista, “ficamos com um modelo bambo” de custeio dos sindicatos. Já Dênis Sarak, professor universitário e fundador do escritório Sarak Advogados, trata a discussão como “uma parte inacabada da reforma”.

Publicado por Valor Econômico

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