STF valida renovação de concessão bilionária sem licitação

Medida foi autorizada durante a gestão de João Doria, no governo de São Paulo

O Supremo Tribunal Federal (STF) validou a renovação de um contrato de concessão de transporte público — no valor de R$ 22,6 bilhões — sem licitação. A medida foi autorizada durante a gestão de João Doria, no governo de São Paulo, e abarca a construção e operação do BRT (ônibus de velocidade rápida) que vai conectar a rede de metrô da capital e as cidades do ABC Paulista.

Essa decisão chama atenção pelo alto valor envolvido, mas, segundo especialistas, não chega a ser uma novidade na Corte. Os ministros se posicionaram a favor do governo federal em julgamento semelhante no ano de 2020. Eles aprovaram, na ocasião, a prorrogação antecipada de contratos de concessão de ferrovias sem a necessidade de licitação.

Ainda assim, dizem os profissionais, a decisão de agora pode servir com um importante precedente para outros Estados e também municípios que estejam enfrentando o mesmo problema.

O caso envolvendo o Estado de São Paulo foi julgado no Plenário Virtual da Corte. Fechou com placar de 8 votos a 3.

Estavam em jogo dois decretos assinados pelo ex-governador João Doria em março de 2021. Esses atos — Decretos n 65.574 e n 65.575 — autorizaram a renovação antecipada do contrato com a Metra Sistema Metropolitano de Transportes, que operava a rede de trólebus do ABC Paulista.

Os decretos permitiram estender a concessão por mais 25 anos e adicionaram a operação da rede de transporte intermunicipal de ônibus das sete cidades do ABC e a construção e operação do BRT-ABC.

O valor do contrato, de R$ 22,6 bilhões, engloba uma indenização pelo contrato anterior e a previsão de recebimento de tarifas pelo prazo de 25 anos. O BRT será construído com recursos da concessionária.

Esse caso chegou ao STF por meio de uma ação movida pelo Partido Solidariedade — ADI 7048. O partido sustentou que a prestação de serviços públicos, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, deve sempre ocorrer por meio de licitação, que tem como objetivo assegurar “igualdade de condições a todos os concorrentes”.

O Estado, por sua vez, defendeu que a prorrogação mediante contrapartida — como autorizaram os decretos — está prevista na Lei Estadual n 16.933, de 2019, que é inspirada na Lei Federal n 13.448, de 2017 — declarada constitucional quando o STF, em 2020, analisou o caso do governo federal.

Também foram apresentados aos ministros estudos técnicos e financeiros que, segundo o Estado, justificaram o contrato. Esses estudos indicaram que a implantação e operação do BRT-ABC causariam significativos impactos na equação econômico-financeira dos outros serviços de transporte público intermunicipal por ônibus na mesma região.

Indicaram, ainda, inviabilidade em uma licitação autônoma do sistema da área 5 — que foi incluída no contrato da Metra — porque a operação seria deficitária. Segundo consta na petição, o Estado tentou licitar o serviço por cinco vezes desde o ano de 2005 e não apareceram interessados.

Votação
 

A relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, votou contra a validade do contrato. Ela entendeu que as duas novas áreas de concessão implicavam alteração do objeto do contrato e, por esse motivo, deveria haver licitação. Os ministros Edson Fachin e Rosa Weber concordaram.

Prevaleceu, no entanto, o voto do ministro Gilmar Mendes, o primeiro a se manifestar de forma favorável ao contrato. “Pelas razões detalhadas nos pareceres técnicos, parece ser clara a vantajosidade para a administração pública e para a sociedade paulista mediante a assunção de novos investimentos no sistema de transporte”, disse em seu voto.

Sete ministros acompanharam o entendimento: Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Nunes Marques.

“A decisão do Supremo reconhece a constitucionalidade dos decretos estaduais, fundados em estudos técnicos e financeiros que comprovam a economia de recursos orçamentários e a melhoria da qualidade do serviço público à população”, diz Inês Coimbra, procuradora-geral do Estado de São Paulo.

O advogado Henrique Ávila, sócio do escritório Sergio Bermudes, que representa a Metra, afirma que a empresa e o Estado assinaram um contrato aprovado pela procuradoria estadual após longo e detalhado processo administrativo, com todas as contrapartidas previstas em lei e que o STF, agora, atesta que todo o trâmite foi feito nos termos da legislação e da Constituição.

Análise
 

Especialistas ouvidos pelo Valor afirmam que a renovação antecipada de contrato de concessão — aos moldes do que fez São Paulo — já foi adotada em concessões de geração e transmissão de energia, ferrovias e portos.

“Estamos falando de contratos que lá atrás foram feitos com licitação e que geralmente preveem a possibilidade de renovação. Não é uma burla ao procedimento de licitação”, diz Gilvandro Araújo, do Carneiros Advogados.

Também especialista na área, Luis Fernando Zenid, do DSA Advogados, afirma que normas disciplinam essas renovações.

No caso do Estado de São Paulo, diz, a Lei n 16.933, de 2019, obriga o cumprimento de uma série de requisitos, como a realização de investimentos adicionais e de estudo técnico demonstrando a vantagem da prorrogação em detrimento de uma nova licitação. “Não decorre de mero arbítrio do chefe do executivo”, frisa Zenid.

Já Ronaldo M. Assumpção Filho, do escritório Miguel Neto Advogados, considera que a decisão de agora do STF “fortalece o instituto da prorrogação antecipada e cria um ambiente favorável para esse tipo de arranjo nas parcerias estaduais”.

Publicado em Valor Econômico.

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