Justiça reduz Imposto de Renda para 15% sobre ganhos em IPOs: entenda caso e impactos

Um empresário de São Paulo obteve, recentemente, uma decisão favorável no Tribunal Regional Federal (TRF), da 3ª Região, para pagar a alíquota fixa mais baixa de 15% do Imposto de Renda sobre ganhos obtidos em oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês).

O processo correu em segredo de Justiça, e o TRF não pôde compartilhar mais detalhes à reportagem.

Ela é a primeira do gênero com este entendimento obtida na segunda instância da Justiça. Antes dela, outras duas decisões haviam sido julgadas, mas, em primeira instância — uma favorável ao contribuinte (com redução de alíquota) e outra à União (mantendo o padrão entre 15% e 22,5%, a depender do ganho).

Mas como funciona a tributação de um IPO? É possível mudá-la na Justiça? Há impacto na declaração do Imposto de Renda deste ano? Os especialistas consultados pelo InfoMoney respondem.

Por que o tema está em alta?

2021 foi o ano dos IPOs: o mercado brasileiro teve 45 ofertas e superou o recorde anterior, de 2007, em volume captado, com pouco mais de R$ 65 bilhões. Em 2020 foram 28 ofertas que, somadas, atingiram R$ 43,9 bilhões.

Isso significa que muitos investidores aplicaram dinheiro em ofertas desse tipo e, agora, precisam informá-lo à Receita Federal neste ano.

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Como funciona a tributação de ganhos com IPOs?

Para começar a entender o contexto da decisão judicial e seus impactos, é importante compreender como funciona a tributação de IPOs.

Uma oferta pública inicial representa a primeira vez que uma empresa receberá novos sócios colocando suas ações ao mercado. Ela se torna, então, uma companhia de capital aberto com papéis negociados no pregão da Bolsa de Valores.

Aqui é preciso entender duas perspectivas. A primeira é sob a ótica do dono da empresa que está fazendo o IPO. Ao listar sua empresa na Bolsa, o empresário vende parte de suas ações ao público em geral. Essa venda, que vamos chamá-la de primária, é tributada pela tabela de ganho de capital.

Já o investidor pessoa física que entrou no IPO, comprou ações e depois vendeu as ações é tributado de maneira diferente.

Advogados tributaristas consultados pelo InfoMoney têm uma pista sobre a decisão emitida pelo TRF da 3ª Região: o empresário que obteve ganho de causa, provavelmente, era sócio da empresa que faria abertura de capital.

“O IPO em si não é tributável, mas o ganho de capital decorrente da operação, sim.  A alienação destas ações por acionistas está sujeita à incidência de Imposto de Renda sobre os chamados ‘ganhos de capital’, ou seja, sobre o lucro que se obtém em decorrência da operação de venda”, explica Luis Felipe Ferrari, advogado tributário e sócio júnior do escritório Goulart Penteado.

O ganho de capital é apurado pela diferença entre o preço por ação vendida e o respectivo custo médio ponderado dela. E existe uma tabela definida pela Lei nº 13.259/16 (que alterou o artigo 21 da Lei nº 8.981/1995), que mostra a alíquota que incide em casos de ganho de capital.

Veja a tabela:

Ganhos  Alíquota 
 Abaixo de R$ 5 milhões 15%
Entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões 17,50%
Entre R$ 10 milhões e R$ 30 milhões 20%
Acima de R$ 30 milhões 22,50%

A tributação pelo ganho de capital é auferida na venda de qualquer ativo por pessoa física — como imóveis, por exemplo. Assim, a Receita Federal entende que a tributação sobre o ganho em um IPO por parte do sócio ou dono da empresa deve acontecer por meio desta tabela progressiva, que vai de 15% a 22,5%.

“O sócio da empresa fez o lançamento do IPO, e ele, enquanto pessoa física, estaria auferindo ganho de capital na renda. Essa é a situação que é possível presumir dos dados públicos”, avalia Edemir Marques de Oliveira, advogado tributário e sócio do escritório Marques e Oliveira.

João Eduardo Cipriano, sócio da área tributária do escritório Miguel Neto Advogados, explica que essa linha de entendimento de que a venda de ações no processo de IPO não seria feita na Bolsa é fundamentada em algumas razões, como:

  • as ordens de compra das ações não são enviadas no ambiente da Bolsa, mas, de maneira individualizada e descentralizada aos responsáveis pela oferta;
  • durante o IPO ainda não está configurado o canal de negociação na bolsa de valores entre vendedores e compradores;
  • e a formação de preço não se dá na bolsa de valores, mas a partir das ordens enviadas pelos investidores institucionais indicando a quantidade de ações e o preço pretendido.

“Por isso, tais características atrairiam a tributação pelas alíquotas progressivas via ganho de capital”, explica Cipriano.

Qual a questão tributária envolvida?

Segundo o “Valor Econômico”, na decisão do TRF de São Paulo, a defesa do empresário alegou que o correto seria aplicar o artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei nº 11.033/2004 — que diz que a tabela de ganho de capital não se aplica “aos ganhos líquidos auferidos em operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros, e assemelhadas”.

Ou seja, a defesa conseguiu reduzir a alíquota para 15% independente dos ganhos do empresário, que é sócio da empresa com o IPO — nesta decisão especificamente.

Segundo Ferrari, a visão da receita de que a “tabela progressiva se aplica a todo ganho de capital sempre prosperou de forma tranquila”. Mas o mundo tributário é complexo.

Enquadrar o IPO na tabela progressiva é entender que o IPO representa um ganho de capital antes mesmo de ser uma operação da Bolsa efetivamente, segundo Oliveira.

“Mas, como o IPO conta com uma reserva prévia da ação que será lançada, a compra só se conclui quando a operação for aprovada e já no ambiente de Bolsa. Ou seja, o fato gerador de imposto ainda não aconteceu antes da operação na Bolsa acontecer”, pondera o advogado.

Desta forma, assim como os advogados da defesa, ele entende que o acréscimo de patrimônio só acontece no momento da liquidação da oferta (já no ambiente da Bolsa) e, por isso, seria equivalente à tributação de 15% como acontece com operações de ações.

“Para se registrar uma oferta pública inicial, deverá haver registro em bolsa, além de que a liquidação dos títulos ocorre em pregão, e são exatamente estes pontos de similitude que fazem nascer esta discussão”, acrescenta Ferrari.

Isenção para vendas mensais de até R$ 20 mil

E como ficam os investidores pessoas físicas? Neste caso, não há discussão sobre a regra aplicada: a apuração de Imposto de Renda em venda de ações de IPOs funciona da mesma maneira que operações swing trade.

“No caso da pessoa física que comprou ações em processo de IPO, a tributação sobre as ações adquiridas ocorrerá no momento da posterior venda (e do recebimento) das suas ações adquiridas no IPO. Isso porque é nesse momento que se contrapõe o custo de aquisição (valor pago pela pessoa para adquirir as ações) com o preço de venda (valor pelo qual as ações são alienadas)”, explica Cipriano.

Caso a pessoa queira vender suas ações (depois de comprá-las no IPO) será tributada à alíquota fixa de 15% — não sofre tributação, as operações de vendas que somem até R$ 20 mil no mês, segundo a legislação em vigor.

“Vale lembrar que a realização de day trade, ou seja, operações de compra e venda negociadas no mesmo dia são exceção à regra, e devem ser tributadas independentemente do valor, sempre em 20%”, diz Ferrari.

A Receita Federal, por meio de nota, diz que aos contribuintes pessoa física, os IPOs são considerados compra de ações no mercado à vista.

“Se realizadas, em qualquer valor, obrigam o contribuinte a apresentar a declaração no ano seguinte. Se o valor das operações ultrapassar os R$ 1 mil, deve ser declarado no grupo 03 participações societárias no código 01 – Ações e o valor declarado deve ser o efetivamente pago. Além disso, se houver prejuízo no mês, é possível compensar com lucros futuros”.

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Qual impacto da decisão do TRF na vida do contribuinte?

A decisão foi favorável ao contribuinte, mas nada muda em relação às regras. “Foi um caso isolado, e o contribuinte precisa seguir cumprindo seus deveres conforme seus investimentos e fazendo sua declaração neste ano normalmente”, explica Oliveira.

Além disso, como a tese está sob forte discussão, não deverá haver qualquer alteração formal por parte da Receita Federal na declaração, “o que somente deverá ocorrer caso a tese favorável seja mantida pelo STF ou mesmo assim decidida pelo CARF (Conselho de Administração de Recursos Fiscais)”, diz Ferrari.

A posição da Receita, portanto, só deve mudar se houve mais decisões judiciais sobre o tema favoráveis aos contribuintes em instâncias superiores do Judiciário, como o STF.

Mesmo assim, os advogados entendem que a decisão, em específico, é importante. “Outros contribuintes que entraram em IPOs em 2021 podem abrir uma ação judicial contra a União e tentar reaver tributos pagos, por exemplo. Agora já existe um exemplo de decisão favorável”, pontua Oliveira.

“Como foi a primeira decisão proferida por um Tribunal Colegiado, ou seja, decisão de segunda instância, deverá valer de precedente para as demais demandas que tramitam, ao menos, nesse Tribunal, quando não tiverem impacto mesmo em âmbito nacional”, acrescenta Luis Felipe.

“São a partir de ações como esta que entendimentos pacificados são alterados. Deveremos aguardar eventual interposição de recurso e discussão do tema em instâncias superiores para confirmar se a tese, de fato, vingará”, aponta o advogado do Goulart Penteado.

Passo a passo na declaração

A declaração de IPOs funciona como a de ações. O investidor pessoa física deve informar a posse das ações vindas do IPO, bem como a venda. Se as vendas no mês não passaram de R$ 20 mil, há isenção; se ficaram acima deste teto, a tributação que incidirá sobre o ganho de capital será de 15%.

Risco de cair na malha fina

O investidor precisa informar operações feitas a partir de IPOs. As vendas realizadas em ambiente da bolsa de valores têm uma retenção automática de Imposto (correspondente a 0,005% sobre as vendas de ações — é o chamado “dedo-duro”).

“[O dedo-duro] mostra à Receita Federal, de forma indireta, quais foram as movimentações daquele investidor no mês. Caso não seja declarada a venda e apurado o ganho de capital, o alienante poderá ser requerido a prestar esclarecimentos e pode cair na malha fina”, afirma Cipriano, sócio da área tributária do escritório Miguel Neto Advogados.

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