O mercado brasileiro de M&A (fusões e aquisições) passou por grandes transformações nos últimos anos, que resultaram num aumento significativo do volume de transações e maior participação de investidores estratégicos e financeiros (em especial os fundos de private equity). Dentre as diversas transformações, podemos destacar não somente a estabilidade econômica vivenciada após as medidas que mitigaram a inflação desenfreada que marcou as décadas de 80 e 90, mas também um conjunto de fatores do mercado brasileiro que inclui o desenvolvimento do mercado de capitais e a evolução das estruturas empresariais, as quais foram possíveis, especialmente, em razão da implantação de uma governança corporativa mais profissionalizada e regras de compliance. O somatório dessas circunstâncias culminou na outorga da chancela de “investment grade” (grau de investimento) por empresas mundiais de avaliação de rating de investimento. O país, finalmente, estava no grupo de nações consideradas de pouca possibilidade de inadimplência. Isso significava que o Brasil, em 2008, passava a ser visto como de baixo risco para aplicações financeiras de estrangeiros.
O desenvolvimento constante do país em meio às crises mundiais que ocorreram durante as últimas duas décadas alçou o Brasil à condição de destino dinâmico e atraente para realização de negócios por investidores de todas as partes do mundo. Nesse contexto, os investidores (estratégicos e financeiros) aproveitaram esse cenário para: (i) no caso dos investidores estratégicos (empresas atuantes do mesmo setor, setor similar ou complementar), expandir seus negócios e agregar a sinergia necessária para um crescimento via aquisições; (ii) no caso dos investidores financeiros, tanto nacionais como estrangeiros (bancos, fundos de investimento, entre outros), ingressar no mercado e investir no portfólio de investidas, antes pouco explorado(aliás, foi exatamente nesse período em que se verificou o crescimento do número/volume de aquisições realizadas por esse tipo de investidor).
Nessa linha, o mercado de M&A teve um crescimento recorde em 2007 com cerca de 720 transações, com uma queda em 2008 e 2009, quando a crise mundial distanciou as expectativas de preço entre vendedores e compradores. Uma retomada foi observada no ano de 2010, com leve queda em 2011 e 2012, em virtude da desaceleração da economia mundial, e um forte crescimento em 2013 e 2014, com cerca de 820 e 880 transações realizadas em cada ano, respectivamente, batendo um novo recorde.
Vale lembrar que o crescimento das operações de M&A no Brasil decorreu principalmente pelo aumento das transações feitas entre nacionais.Com as crises mundiais (em especial a crise norte-americana pós George W. Bush e a europeia, originada pelo alto endividamento público e a falta de coordenação política dentro da União Europeia), os investidores estrangeiros foram obrigados a concentrar seus recursos e esforços para cobrir posições nessas regiões (EUA e União Europeia), diminuindo o apetite dos investimentos em transações de M&A em um país em alta como o Brasil.
Além do aumento do número de transações entre nacionais, ou seja, sem participação direta de estrangeiros, o perfil das transações de M&A de 2011 a 2014 também foi marcado por um grande número de transações envolvendo concessões no setor de infraestrutura, pela atividade intensa dos Fundos de Private Equity, por um maior número de transações de pequeno porte (até US$100.000,00) e pela atuação dos investidores estrangeiros mais voltados para a aquisição de participações minoritárias.
Entretanto, o cenário atual já não é mais o mesmo. A desaceleração da economia, a alta da inflação, a ausência de reforma tributária e política, a falta de credibilidade na política econômica do atual governo e a pouca segurança jurídica no que tange às regulamentações e decisões judiciais e administrativas colocaram o país numa rota reversa.
Surgem, então, as dúvidas sobre o futuro do mercado de M&A no Brasil, com impactos possíveis e esperados já para este ano de 2015.Vale ressaltar que a crise atual é exclusivamente brasileira e não tem qualquer influência ou internacional ou reflexo de crises mundiais, ou seja, é como os norte-americanos gostam de chamar de “self inflicted” (em tradução literal, auto-imposta), pois não advém ou tem relação com fatores externos, sua origem é interna.
Se por um lado a falta de credibilidade nas políticas públicas e condições econômicas criou um ambiente hostil e incerto para os investidores, empresários e empresas brasileiras, por outro lado, pode gerar oportunidades para investidores locais e estrangeiros consolidarem suas posições no mercado brasileiro, em especial os investidores estrangeiros e fundos que contam com capital estrangeiro, pois a desvalorização do Real e a valorização em especial do Dólar norte-americano podem catalisar o apetite para aquisição de ativos a preços mais atrativos.
De acordo com especialistas do setor, esses fatores da crise atual brasileira têm a tendência de mudar a referência de valor das empresas brasileiras que passarão a ficar mais baratas tanto em termos absolutos como em comparação com outros países, já que o dólar subiu drasticamente.
Fora a questão monetária mencionada acima, diante das portas fechadas ou de um custo excessivamente alto para acesso ao crédito, muitas empresas, como parte do plano para recuperar suas finanças, passam a ter que se desfazer de ativos ou estruturar operações de venda direta com vistas a se capitalizar, o que pode vir a ser considerada uma oportunidade atraente de entrada para os investidores em especial via transações de M&A.
Além disso, aquelas empresas que possuem fundamentos sólidos, mas sofrem com problemas de fluxo de caixa, tendem a se tornar disponíveis a preços mais atrativos, o que também pode vir a ser considerada uma oportunidade atraente de compra.
Percebe-se que o aumento do número de empresas em dificuldade financeira criou, já no ano de 2014, uma combinação interessante de ativos mais baratos e oportunidades de consolidação em alguns setores, animando investidores a retomar as compras, daí o aumento do número de operações de M&A em 2014, sendo que muitas das transações foram celebradas por preços reduzidos (lembrar que grande parte do crescimento está no número de transações de pequeno porte), o que nem sempre retrata a realidade do tamanho da transação, pois o volume de endividamento e/ou passivos de uma empresa pode levá-la a ser vendida por R$1,00, embora o seus ativos sejam avaliados por milhões.
Esse ativo (empresa) em condições de dificuldade financeira e de baixa liquidez, beirando, ou muitas vezes já envolvido, em processo de recuperação judicial ou extrajudicial de empresas é conhecido no mercado internacional como “Distressed Asset”. O proprietário do Distressed Asset se sente forçado a vendê-lo por um preço abaixo do seu real valor em função da sua inviabilidade financeira, mesmo que tal ativo mantenha sua viabilidade operacional e comercial intacta.
Assim, transações envolvendo empresas em dificuldade aparecem como um novo nicho que começa a movimentar o mercado de M&A no Brasil.
De acordo com levantamentos recentes, no acumulado do ano de 2015, foram registradas 133 transações que movimentaram R$48,43bi no mercado de fusões e aquisições no Brasil. Do total de transações registradas, aproximadamente 17% (alguns afirmam que já representa um terço das operações) envolveram Fundos de Private Equity, os quais costumam ser mais sensíveis a preços e mais ágeis para investir do que investidores estratégicos.
A presença desses investidores tornou-se mais significativa nos últimos anos, quando os grandes fundos globais se instalaram ou ampliaram sua presença no país. Assim, existe uma real tendência de que os Fundos de Private Equity desempenhem participação cada vez mais intensa nos processos de fusões e aquisições no mercado brasileiro, potencialmente com atenção especial às “Distressed Acquisitions” (aquisições de empresas em dificuldade financeira), pois o Fundo de Private Equity é um investidor financeiro, ou seja, dotado de caixa, e o Distressed Asset ou Distressed Company é um ativo em estado de dificuldade financeira, mas com viabilidade operacional e comercial.
Cabe salientar que o desenvolvimento de transações de M&A envolvendo empresas em dificuldade (Distressed Companies) passa a ser mais viável (no que se refere à avaliação e tomada de riscos por parte do comprador) em razão das inovações trazidas pela Lei n. 11.101/05 (Nova Lei de Falências), que este ano completa 10 anos. Antes da nova legislação, o mercado brasileiro de Distressed Companies foi, durante um longo período, prejudicado por questões envolvendo a sucessão, pelo potencial comprador, de responsabilidades, passivos e contingências decorrentes da gestão anterior.
Especialmente em relação a aquisições realizadas no contexto de processos de falência, havia o risco significativo de que os adquirentes do negócio ou de ativos relacionados fossem considerados responsáveis pelo pagamento de contingências e passivos anteriores, principalmente no tocante a responsabilidades trabalhistas e fiscais. Muitas transações que poderiam ter ocorrido em benefício dos credores de empresas em dificuldade e até de seus acionistas não foram consumadas em função do risco de sucessão.
A Nova Lei de Falências é um marco nesse sentido. Ao eliminar o antigo sistema da concordata e implantar os modelos de recuperação judicial e extrajudicial, o legislador levou em conta a importância de criar um ambiente seguro para o desenvolvimento do mercado de empresas em dificuldade financeira ou situação de insolvência.
A Nova Lei de Falências flexibilizou ao permitir que as empresas utilizem diferentes modelos de reestruturação, seja mediante acordos privados, seja mediante processos de recuperação extrajudicial ou judicial, sempre com vistas a viabilizar a superação das situações de crise, a preservação da atividade empresarial, com sua função social, a manutenção de empregos e a geração de recursos para todos os envolvidos.
Nesses modelos, poderão ser adotadas as mais variadas estruturas para recuperar seus negócios, dentre elas: (i) aumento de capital da empresa; (ii) renegociação de dívidas e contratos em vigor; (iii) alienação de controle para investidores; (iv) conversão de dívidas em participação no capital social; (v) emissão de valores mobiliários para pagamento de dívidas; (vi) incorporação da empresa em dificuldade em outra entidade; (vii) drop down de ativos para uma subsidiária e consequente venda da mesma; etc.
Do ponto de vista do investidor, além da compra de participação societária ou ativos, típicas transações de M&A, pode também ser realizada a compra de dívidas existentes com vistas a influenciar o plano de recuperação ou converter tais dívidas em uma maior participação no capital da sociedade em dificuldade, assumindo o seu controle acionário. Pode-se, ainda, estruturar mecanismos de financiamento da empresa em dificuldade, os quais, poderão originar não somente ganhos financeiros, mas a potencial aquisição de controle societário (conversão de dívida em capital).
A grande importância do novo sistema legal, inspirado no Chapter 11 da legislação americana, é que, no âmbito do processo de recuperação judicial, além de ser promovida a suspensão dos processos judiciais existentes contra a empresa, sobretudo, foi incluído na nova legislação o conceito de venda livre de sucessão de responsabilidades (inclusive trabalhistas e fiscais) como um mecanismo capaz de maximizar o valor dos ativos da empresa em dificuldade.
Ressaltamos que essa proteção se aplica se: (i) a venda é promovida dentro de um plano de recuperação judicial devidamente aprovado pelos credores e ratificado pelo Juízo competente; (ii) a venda não implique na alienação de todos os ativos da empresa, mas sim de uma parcela dos ativos integrada a uma unidade operacional isolada (Unidade Produtiva Isolada – UPI); e (iii) a venda seja supervisionada pelo Juízo competente, sendo certo que, na maioria dos casos, um leilão é realizado.
A possibilidade de aquisição de ativos por meio de uma Unidade Produtiva Isolada (UPI), autoriza, dessa forma, nos termos da lei, o adquirente a comprar a unidade livre de sucessão em relação a quaisquer passivos anteriores, inclusive trabalhistas e fiscais. Por essa razão, empresas em processo de recuperação judicial passaram, ainda mais, a ser consideradas como alvos importantes e atrativos de potenciais oportunidades de operações de M&A.
Em resumo, a crise econômica brasileira trouxe não somente perdas, mas novas oportunidades de investimento. O cenário de desconfiança e incerteza em relação às políticas e fundamentos econômicos do Brasil e o estrangulamento do crédito levaram a um aumento significativo do número de empresas brasileiras em dificuldade. Como parte de um plano para aperfeiçoar suas finanças, tais empresas buscam realizar a venda de ativos ou, ainda, a venda direta no intuito de sanar suas dívidas. Esse número pode aumentar ainda mais, tendo em vista os prognósticos de mais um ano de baixo crescimento econômico.
Essas circunstâncias podem significar uma combinação interessante de ativos mais baratos e oportunidades de consolidação em alguns setores. Do ponto de vista do investidor estrangeiro, o atual patamar da taxa de câmbio com a forte valorização do dólar frente ao real torna ainda mais atrativo fazer negócios no Brasil.
Nesse cenário, a Nova Lei de Falências criou campo para realização de investimentos por parte de players interessados em adquirir empresas em situação de dificuldade financeira (Distressed Acquisitions). Todos esses fatores reunidos ajudarão a incrementar o mercado de M&A no Brasil, especialmente através da atuação de investidores estrangeiros, estratégicos e Fundos de Private Equity, o que já se demonstra uma realidade em comparação aos últimos anos.
A tendência é que o mercado continue ativo e em ritmo crescente em 2015, ainda que o motivo das transações seja diferente do que colocou o Brasil no cenário dos investimentos alguns anos atrás. Se sai de foco o ambiente próspero de um país em constante crescimento econômico, entra em cena oportunidades de negócios a bons preços em razão da necessidade de liquidez, somada à busca por consolidação, eficiência, e sinergia.