Corte definiu que grupo que adquirir controle de empresas abertas precisa apresentar propostas a sócios minoritários
A decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) desta terça-feira (18) que garantiu à CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) uma indenização de cerca de R$ 5 bilhões em caso envolvendo a Usiminas e a Ternium pode complicar os rumos da privatização da Sabesp.
A desestatização já passou por todos os estágios políticos, mas o processo de oferta de ações da companhia corre risco de virar um novo imbróglio. Isso porque o STJ definiu que, ao comprar ações do bloco controlador de uma empresa, a compradora precisa também apresentar proposta para adquirir os papéis de todos os acionistas minoritários da companhia.
Na prática, a decisão obriga que interessados nesse tipo de negociação tenham recursos muito maiores do que aqueles reservados para a aquisição de uma porcentagem específica da empresa.Na visão da corte, os acionistas minoritários têm o direito de vender suas ações caso parte do controle da empresa seja alterado. Até então, o entendimento da Justiça e da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) era de que esse processo só seria necessário se houvesse alteração integral no comando da empresa.
O acórdão do STJ ainda não foi publicado, mas na visão de advogados a decisão pode ser um divisor de águas na compra e venda de empresas, inclusive de estatais em processo de privatização, como é o caso da Sabesp.
As ações da companhia tiveram queda de 2,97% no pregão desta terça, desempenho que, segundo analistas, foi influenciado pelo resultado do julgamento.
Hoje, o Governo de São Paulo possui 50,3% da companhia de Sabesp. O objetivo da gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) é vender parte das ações para que o estado fique com uma fatia de cerca de 20%, saindo do controle da companhia.
O modelo de privatização ainda prevê a entrada de um acionista de referência, uma espécie de sócio estratégico que deverá adquirir sozinho 15% das ações. É sobre essa figura que a decisão do STJ desta terça pode recair.
Caso o entendimento se estenda aos demais processos de compra e venda de ações, o futuro acionista de referência da Sabesp também precisaria fazer uma oferta pelas ações dos minoritários da empresa. A legislação não obriga os acionistas minoritários a venderem seus papéis, mas o comprador precisa ao menos apresentar proposta.
“Essa decisão do STJ vai abrir um flanco para outros minoritários; R$ 5 bilhões é muito dinheiro e isso tudo gera uma insegurança jurídica absurda”, diz a advogada Anna Carla Marujo Rossetti, do escritório Marujo Rossetti Advogados. “Com a decisão, qualquer adquirente que estava pensando em comprar ações da Sabesp vai se atentar que qualquer minoritário agora pode entrar com uma ação contra ele exigindo o artigo 254A”, acrescenta.
Rossetti se refere ao artigo da Lei das S/A que define que a mudança no grupo de controle dispara o que é chamado de “tag along” —quando um acionista minoritário tem direito de receber uma oferta por suas ações devido à alienação do controle de uma companhia.
Rubens Naves, advogado que representa o Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas) em casos envolvendo a privatização da Sabesp, também considera que a decisão do STJ traz insegurança jurídica para a desestatização da empresa. “Com a ampliação desse conceito de acionista controlador, haverá necessidade de oferecer essas ações para o resto dos acionistas, o que vai implicar ter um recurso muito grande para comprar essas ações”, afirma.
Para José Antonio Miguel Neto, sócio do escritório Miguel Neto Advogados, a definição do STJ desta terça é peculiar. “Tenho 40 anos de formado e nunca tinha visto uma interpretação diferente [da utilizada pela CVM] nesses casos”, afirma.
É o que também pensa Luiz Eduardo Corradini, sócio na Cascione Pulino Boulos Advogados. “É uma decisão que contraria o que vinha sendo decidido pela CVM há muito tempo, então é um revés bem forte para o mercado.”
Já o Governo de São Paulo diz que o processo de desestatização da Sabesp não pode ser afetado pela decisão, pois “conta com modelo próprio e sólida formatação jurídica.”
Colaborou Marcelo Azevedo
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Publicado em Folha de S. Paulo.