Câmaras arbitrais e execução fiscal administrativa são apostas para evitar o Judiciário
Segundo texto do PL 4257/2019, PGFN poderá recolher valor da execução fiscal imediatamente após procedimento arbitral
Em tramitação no Senado, o Projeto de Lei 4257/2019, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), instaura a arbitragem tributária e a execução fiscal administrativa, sem a participação do Judiciário.
A proposta, que traria a possibilidade de instauração de arbitragem para qualquer tributo, divide opiniões: segundo os defensores do projeto, são soluções para facilitar a arrecadação de crédito público pela Fazenda e evitar a judicialização. Para muitos tributaristas, o PL, entretanto, seria uma forma de autorizar o Fisco a executar o patrimônio dos contribuintes sem a possibilidade de defesa e análise do caso no Judiciário e com a arbitragem sem regras bem definidas.
Para a Fazenda, uma alternativa ao Judiciário é necessária. O custo médio total de uma execução fiscal promovida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) junto à Justiça Federal, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é de R$ 5,6 mil. Ademais, o tempo médio de tramitação é de quase dez anos. A chance de recuperação integral de crédito pela Fazenda, ainda de acordo com o Ipea, é de 25,8%.
A dificuldade de recuperação do crédito público e o alto custo do Judiciário foram os principais fatores para a criação do PL 4257/2019.
Para a arbitragem tributária poder acontecer, porém, o devedor precisa garantir o valor da execução em depósito por dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia. Com isso, caso a Fazenda vença o procedimento arbitral, poderá recolher o valor imediatamente após a decisão final dos árbitros, sem se submeter a procedimentos de alienação de bens imóveis ou outras formas de garantia.
Para a realização da arbitragem também será necessário que o ente federativo destino do processo arbitral tenha regulamentado a arbitragem por meio de lei estadual ou outra forma de regulamentação. Se a Fazenda for vencida, deverá ressarcir as despesas e arcar com os honorários advocatícios. A arbitragem será uma opção do executado.
Além da arbitragem tributária, o PL 4257/209 instaura a execução fiscal administrativa para processos relativos ao IPTU, ITR e IPVA. A ideia é que a cobrança desses tributos não aconteça somente por execução fiscal, mas também por via extrajudicial. Será emitida uma Certidão de Dívida Ativa na residência do notificado. Caso o valor da dívida não seja pago em até 30 dias, a Fazenda poderá averbar a penhora do imóvel ou veículo.
Após nova notificação, o devedor terá prazo de 30 dias para ajuizar embargos à penhora, requerer provas, chamar testemunhas e reunir material para sua defesa. Sem um novo pagamento, a Fazenda estaria autorizada a efetuar imediatamente o primeiro leilão do imóvel ou veículo.
Além de supostamente promover a imediata arrecadação da Fazenda e evitar o Judiciário, o projeto também tem como justificativa ajudar a arrecadação dos municípios. Um dos dados mostrados no projeto de lei foi o número de processos de tributos municipais na Justiça de Mato Grosso do Sul.
Os números indicam que há cerca de 126 mil processos referentes a tributos municipais em andamento e mais de 43 mil suspensos. No caso de tributos estaduais, existem mais de 4 mil em andamento.
Segundo levantamento da Procuradoria-Geral do Distrito Federal, só no Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) há 94 mil processos envolvendo IPTU. O valor total dos processos somados ultrapassa R$ 1 bilhão.
CAPÍTULO 2
Risco aos contribuintes?
Na avaliação de tributaristas, arbitragem tributária deve focar na esfera administrativa
Tributaristas entrevistados pelo JOTA enxergam o projeto como uma solução moderna para fugir da excessiva judicialização. Ao mesmo tempo, advogados afirmam que o projeto precisaria de ajustes, tanto na execução fiscal administrativa como na arbitragem tributária.
“Deveríamos ter uma arbitragem tributária logo após a autuação. Em vez do processo percorrer todas as fases de julgamento administrativo [DRJ e Carf], o contribuinte poderia ter a possibilidade de já solicitar a arbitragem. A discussão nem chegaria ao Carf”, afirma Ana Monguilod, sócia do escritório PGLaw e pesquisadora da FGV Direito SP.
Para ela, o melhor contexto para a arbitragem tributária seria logo após o auto de infração ser lavrado, ainda nas Delegacias de Julgamento (DRJ). O benefício seria a ampliação do acesso à arbitragem. O projeto de lei, entretanto, estabelece que o processo arbitral seria feito em etapas posteriores, quando a discussão já superou a etapa administrativa. “Para o contribuinte, seria interessante a escolha da arbitragem tributária como uma opção ainda no contexto do processo administrativo fiscal”, conclui Ana.
Segundo a advogada, o foco da arbitragem deveria ocorrer ainda no âmbito administrativo, motivo de repetitivas judicializações de contribuintes, especialmente diante da dificuldade de vitória em casos julgados na DRJ e no Carf.
De acordo com Djalma Rodrigues, sócio da área tributária do Miguel Neto Advogados, o projeto de lei, da forma como está redigido, é desfavorável aos contribuintes e empodera a Fazenda de forma desequilibrada.
“Admitir-se que a própria Fazenda Pública possa executar diretamente o patrimônio do contribuinte em decorrência de uma dívida que foi confirmada na esfera administrativa, após o desempate por um voto de qualidade de um representante do próprio Fisco, é um exemplo típico dos desarranjos que necessitam ser enfrentados”, afirma o advogado.
A crítica é feita em relação à possibilidade da execução fiscal administrativa por via extrajudicial. Caso o executado não pague sua dívida em até trinta dias após a notificação do Fisco, a Fazenda teria direito de executar o patrimônio do devedor.
Ainda sobre a execução fiscal administrativa, Rodrigues diz que a implementação desse processo terá de enfrentar temas de ordem constitucional, já que sua execução “tangencia garantias como o direito ao devido processo legal”.
“Não acho razoável que o mesmo órgão que inscreve o débito em dívida ativa possa, na ausência do pagamento, proceder à penhora de bens e seguir com medidas de expropriação patrimonial. Em resumo, é isso o que autoriza o projeto”, afirma Rodrigues.
Sobre a arbitragem tributária, o advogado destaca que o PL precisará de “muitos ajustes” para tratar sobre o tema de forma mais profunda. Para ele, faltou cuidado em compatibilizar a ferramenta da arbitragem com as atuais regras do ordenamento jurídico-tributário.
“Não acho que a arbitragem tributária tenha limitações de ordem constitucional, mas certamente deve haver a preocupação de alguns ajustes no Código Tributário Nacional (CTN), o que demanda aprovação via lei complementar. É um instituto muito sério [a arbitragem] para ter sido tratado tão superficialmente”, diz o advogado.
CAPÍTULO 3
Maior produtividade
Na visão de defensores da ideia, PL 4257/2019 melhorará atividade econômica e controle do Fisco
Apesar das eventuais críticas de tributaristas, o senador Antonio Anastasia (PSDB), autor do projeto de lei, defendeu o atual texto do PL. Para ele, o projeto de lei, caso aprovado, terá efeitos positivos para a Fazenda e para os contribuintes.
“Ajudará a Fazenda porque demandará menos do Poder Judiciário, o que poderá resultar em uma taxa de retorno de eficiência muito maior. Para o contribuinte, da mesma forma, o projeto é positivo, uma vez que ele não precisará gastar tanto tempo e dinheiro com um processo que se alongará anos no Poder Judiciário”, afirma o senador.
Ele reitera a urgência de um projeto que crie alternativas à tramitação de processos no Judiciário. “Dados do CNJ mostram que aproximadamente 31 milhões dos cerca de 80 milhões de processos pendentes de baixa na Justiça envolvem a execução fiscal de crédito público”, diz Anastasia.
O parlamentar acrescenta que o PL exigirá também adaptações para que as câmaras arbitrais consigam absorver o volume de demandas de pedidos de arbitragem.
“Precisamos avançar pouco a pouco. Não dá para promovermos todas as mudanças necessárias de uma só vez. Precisamos ter cuidado no processo legislativo, ao mesmo tempo, para não promovermos choque de competências”, conclui o senador.
Segundo Flávio Jardim, procurador do Distrito Federal, o grande gargalo atualmente no Judiciário é a execução fiscal. “Os embargos demoram em média seis anos e meio na Justiça, esse valor fica inacessível durante esse período”, explica.
De acordo com o procurador, o prejuízo não é somente da Fazenda, que enfrenta dificuldades na arrecadação de crédito público, mas também para a economia, no geral, e produtividade. “O Estado deixa de arrecadar e o contribuinte fica com problemas de contabilidade, com o passivo tributário, e atividade econômica encarecida”, explica.
Segundo Jardim, a arbitragem tributária também traz o benefício da suspensão da execução, pelo menos momentaneamente, e a possibilidade de discussão dos embargos, uma forma de defesa do contribuinte contra a cobrança de algum crédito tributário, pela câmara arbitral. “Hoje, não há essa possibilidade”, diz.
Ele também afirma que parte dos devedores não é necessariamente composto por contumazes e, ao mesmo tempo, merecem a chance de uma discussão mais eficiente do crédito tributário. “É uma forma de desjudicialização, celeridade e expertise”, afirma o procurador.
Câmaras Arbitrais
Segundo Luciano Godoy, árbitro e sócio de Contencioso e Arbitragem do PVG Advogados, o projeto é positivo como uma forma de evitar a judicialização. Entretanto, ele afirma que a arbitragem tem um custo maior do que o Judiciário.
Com isso, em sua avaliação, poucos casos devem chegar às câmaras arbitrais. “Não temos no momento a preocupação de que o PL possa atolar o mundo da arbitragem com um excessivo número de casos”, afirma.
Para ele, a opção da arbitragem tributária é interessante para as empresas, que não precisarão ficar com cobranças em pendência durante anos e passar por diversas instâncias no Judiciário. “Para o Fisco, é uma solução rápida especialmente em casos de maior valor”, afirma.
O árbitro, entretanto, alerta que o PL gera mais restrições quanto ao procedimento arbitral comum. Caso o projeto de lei seja aprovado, será acrescentado o artigo 16-F na lei de execução fiscal. O artigo estabelece que “qualquer das partes pode pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a declaração de nulidade caso a sentença arbitral contrarie enunciado de súmula vinculante, decisão do Supremo Tribunal Federal”.
Além disso, a nulidade também pode ser pleiteada caso a sentença arbitral contrarie incidente de resolução de demandas repetitivas ou de repercussão
geral.
Para Godoy, a observação dos precedentes do STF pode funcionar como uma trava para as discussões nas câmaras arbitrais, pois, no contexto arbitral normal, não há necessidade de observância desses precedentes.
Atualmente, o PL 4527/2019 está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), após aprovação na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado no dia 23/10. O relator da matéria é o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) . Já existem emendas apresentada ao PL.
Uma das modificações propostas é de autoria senador Weverton (PDT-MA). Ele pleiteia que as câmaras arbitrais sejam previamente cadastradas por cada entidade da Federação para serem autorizadas a prosseguir com o procedimento arbitral.