Para tributaristas, MP burocratiza e distorce tratamento de incentivos de ICMS

Ao que tudo indica, a vitória fiscal que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obteve em julgamento da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça em abril foi insuficiente para aumentar a arrecadação tributária a contento. Tanto que, na noite de quinta-feira (31/8), foi publicada a Medida Provisória 1.185/2023, que distorce e burocratiza o tratamento dado aos incentivos de ICMS às empresas.

 

Essa conclusão é de advogados tributaristas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Para eles, o governo ignorou parte do que foi decidido pelo STJ sob o rito dos recursos repetitivos ao endurecer as regras dos benefícios fiscais concedidos pelos estados, obrigando as empresas a rever suas projeções tributárias.

Como fica
Na prática, não mais haverá a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). As empresas serão tributadas, mas poderão apurar crédito fiscal sobre os valores recebidos para implantar ou expandir empreendimento econômico.

Ainda assim, só terão direito a esse crédito quando essa implantação ou expansão já estiver concluída e desde que se habilitem previamente na Secretaria Especial da Receita Federal. A MP também exige que o ato concessivo da subvenção seja anterior à data de implantação ou de expansão do empreendimento.

 

O artigo 8º da MP traz uma série de limitações à apuração do crédito fiscal, que poderá ser usado na compensação com débitos próprios, vincendos ou vencidos, relativos a tributos federais, ou ressarcido em dinheiro, a partir do 48º mês seguinte.

E como era
A mudança é relevante porque, em abril, a 1ª Seção do STJ esclareceu, com base na legislação vigente, que tais benefícios fiscais poderiam ser excluídos da base de cálculo de IRPJ e CSLL, desde que atendidas algumas exigências, descritas na Lei Complementar 160/2017 e no artigo 30 da Lei 12.973/2014, que foi totalmente revogado.

Em suma, os valores de subvenção de ICMS precisariam ser registrados em conta de reserva de lucros e poderiam ser usados para absorção de prejuízos ou aumento de capital social, mas não para situações que lhes confiram a qualidade de lucro ou renda.

O STJ ainda decidiu que o contribuinte não precisaria comprovar que tal estímulo fiscal foi concedido para implantação ou expansão de empreendimento econômico, nem que foi usado dessa forma.

O resultado foi uma vitória para o governo porque a alternativa era fixar que benefícios fiscais do ICMS são sempre excluídos da base de cálculo de IRPJ e CSLL, replicando a mesma solução que o STJ deu, em 2017, à questão dos créditos presumidos de ICMS.

E o STJ?
Para João Eduardo Cipriano, do escritório Miguel Neto Advogados, a edição da MP representa uma volta ao passado ao reavivar a discussão sobre tributação das subvenções, segregadas entre investimentos e custeio, mas com uma nova roupagem: crédito fiscal de subvenção para investimento.

“Na prática, as subvenções, que são registradas como receitas na demonstração do resultado das empresas, não serão mais excluídas do cálculo do lucro real. Em contrapartida, gerarão um crédito fiscal de 25% sobre o valor da subvenção (alíquota cheia do IRPJ) para os contribuintes previamente habilitados, e que poderá ser compensado com outros tributos federais ou ressarcido. Ou seja, primeiro se tributa, e depois se concede o crédito”, criticou o advogado.

Luciano Inocêncio, do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados, acredita que a MP buscou alcançar a parcela de benefícios fiscais que foi abarcada pelas teses fixadas pelo STJ e que passará a ser tributada a partir de 2024. “A MP visou claramente a mitigar os efeitos da perda sofrida pela União na referida decisão.”

Outro que vê na ação do governo uma reação ao que foi decidido pelo STJ é Luis Gustavo Meziara, do VBD Advogados. “A MP 1.185 revoga os dispositivos legais que regram atualmente a não tributação por IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, entre eles o artigo 30 da Lei nº 12.973/14.”

Segundo Gustavo de Toledo Degelo, do Briganti Advogados, a sensação é de que o governo desconsiderou parte da decisão proferida pelo STJ no que se refere à necessidade de observância dos requisitos legais impostos pela legislação para se beneficiar da exclusão da subvenção para investimento da base de cálculo de IRPJ e CSLL. “Parte do que foi decidido passa a ficar sem efeito prático”, apontou ele.

Degelo chama a atenção para uma consequência importante para o contribuinte causada pelo novo tratamento tributário conferido às subvenções de ICMS. “Diante da impossibilidade de dedução do recolhimento do IRPJ, os resultados das empresas poderão ser impactados.”

Ana Lucia Marra, do Machado Associados, afirma que a MP esvazia toda a jurisprudência do STJ porque revoga a legislação ordinária que serviu de base para essa construção normativa. “O benefício ficará extremamente restrito e inaplicável a grande parte dos projetos já em operação. Certamente, demandará das empresas a revisão de suas projeções tributárias para 2024.”

Pela frente
Pelo mesmo motivo, Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, do Candido Martins Advogados, alerta para a importância de acompanhar a eventual aprovação da MP no Congresso, uma vez que as empresas já se organizaram e se planejaram em um cenário que ficará totalmente distorcido a partir de 2024.

“Não fosse só isso, a MP permite a tributação dos benefícios fiscais estaduais, por exemplo, trazendo mais um capítulo para a guerra fiscal e um desrespeito ao princípio federativo, e, claro, provavelmente causará um fomento ao contencioso administrativo judicial dentro dos inúmeros questionamentos que surgirão.”

Diogo Olm Ferreira, do VBSO Advogados, destaca que a possibilidade de crédito fiscal prevista na MP é restrita a subvenções para investimento que cumpram requisitos específicos. “As subvenções para investimento passarão a ser tributadas, mas haverá a possibilidade — apenas para alguns contribuintes — de receber o crédito fiscal. Aparentemente, essa troca está sendo proposta como mais um mecanismo de aumento da arrecadação.”

Já Maira Madeira, da banca Abe Advogados, enxerga que a MP editada pelo governo promove conceituações e restrições em relação à questão dos benefícios fiscais de ICMS, diante de um julgamento confuso por parte do STJ. “A MP traz burocracia para que a Receita analise quem vai se beneficiar dos créditos e traz limitação em relação aos cálculos do que pode ou não ser aproveitado.”

De acordo com Liz Marília Vecci, do Terra e Vecci Advogados, o governo promove insegurança jurídica, colocando em xeque as conquistas da Lei Complementar 160/2017. “O único ponto positivo dessa MP é que aumenta as chances de êxito dos contribuintes sobre as cobranças de fatos geradores passados.”


Publicado em CONJUR.

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