A Câmara dos Deputados aprovou no início de outubro o Projeto de Lei (PL) 4188/2021, o chamado Marco Legal das Garantias. O texto já havia sido aprovado pelo Senado em julho. A Lei 14.711/23 foi sancionada pelo presidente Lula, mas com veto aos trechos que autorizavam a tomada de veículos de inadimplentes sem a autorização da Justiça, pela via cartorária. Embora tenha sido iniciativa do governo anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro, o projeto de lei atende ao objetivo da atual administração de expandir a oferta de crédito às pessoas físicas e jurídicas no país e, desse modo, estimular o consumo e o crescimento econômico.
À imprensa, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o Marco Legal das Garantias irá “revolucionar o mercado de crédito no Brasil”. Em que pese o entusiasmo retórico do ministro, reflexo de seu esforço de arrecadação para reduzir o déficit público a zero já no final do ano que vem, o fato é que o Marco Legal das Garantias tem mesmo um grande potencial para estimular a economia brasileira. Espera-se que, com o Marco Legal das Garantias em vigor, o custo do crédito no país, isto é, a taxa de juros, diminua, assim como o spread bancário – diferença entre os juros que uma a instituição financeira paga para captar recursos no mercado e a taxa que cobra para emprestá-los aos clientes.
Como se vê, cidadãos e empresas têm muito a ganhar com o Marco Legal das Garantias, uma legislação bastante auspiciosa para os mercados imobiliário e de capitais.
Também é esperado um aumento tanto no nível de consumo das famílias, como no de investimentos pelas empresas. Além disso, economistas estimam que o Marco Legal das Garantias tende a elevar o porcentual de sucesso dos processos de recuperação de dívidas – hoje extremamente baixo no País. De acordo com a consultoria legislativa do Senado, recupera-se apenas 14,86% das garantias de crédito no Brasil, contra 85,3% no Reino Unido e quase 82% nos Estados Unidos.
Um dos pontos mais controvertidos do PL 4188, a possibilidade de penhora do único bem de uma família, foi retirado do texto aprovado em votação final pelos deputados. Outro ponto retomado pela Câmara dos Deputados foi o monopólio da Caixa Econômica Federal sobre os penhores civis de joias, canetas, pratarias, relógios e outros bens de valor. Pela versão aprovada inicialmente pela Casa, ainda em 2022, qualquer banco privado poderia realizar esse tipo de operação.
Há algumas mudanças importantes introduzidas pelo Marco Legal das Garantias, que altera dispositivos do Código Civil e das leis 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), 9.514/1997 (Lei da Alienação Fiduciária de Bens Imóveis), 4.728/1965 (Lei de Mercado de Capitais). Uma delas é que mesmo bem imóvel poderá ser oferecido como garantia para a concessão de mais de um empréstimo. Por exemplo: um imóvel quitado e avaliado em R$ 1 milhão poderá servir de garantia para três empréstimos de até R$ 330 mil cada um, em três instituições bancárias diferentes e com objetivos distintos. Hoje, isso não é possível. Imóveis em financiamento também poderão ser oferecidos como garantia para mais de um empréstimo, mas, neste caso, a alienação fiduciária precedente terá prioridade sobre a subsequente.
O Marco Legal das Garantias também formaliza na legislação brasileira a figura do “agente de garantias”, profissional ou instituição a ser designado pelos credores que terá o poder de (a) realizar o registro dos gravames, (b) gerenciar os bens e (c) executar as garantias, inclusive extrajudicialmente. Poderá, ainda, atuar em ações judiciais que tenham como objeto o crédito garantido, além de poder receber o valor da venda dos bens oferecidos como garantia e realizar o pagamento aos credores em até dez dias úteis.
Outra mudança é que o Marco Legal das Garantias contempla medidas extrajudiciais para a recuperação de créditos por meio dos cartórios. Trata-se de uma inovação que decerto facilitará a vida dos credores, já que muitos desistem de reaver o crédito a que têm direito devido à morosidade e ao custo da via judicial. A nova lei prevê ainda métodos de notificação mais ágeis e baratos. Os tabeliães ficam autorizados a enviar as propostas de negociação aos devedores por meio de carta simples, e-mail ou até mesmo mensagem por aplicativos como o WhatsApp e Telegram, por exemplo. Se no prazo de até 30 dias essas mensagens não forem respondidas pelo devedor, passa-se, então, à indicação de protesto.
A nova legislação trata ainda das Instituições Gestoras de Garantias (IGG), empresas intermediárias entre os tomadores de crédito e as instituições financeiras, cuja atuação é regulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Têm entre suas funções básicas (a) avaliar bens dados em garantia para empréstimos bancários, (b) controlar os limites estabelecidos a esses empréstimos, (c) executar a dívida em caso de inadimplência e (d) conduzir o processo de renegociação e/ou liquidação das operações de crédito. Hoje, as IGG são empresas subsidiárias das próprias instituições financeiras. Com o Marco Legal das Garantias, outras pessoas jurídicas de direito privado poderão executar cada uma daquelas etapas, de modo a aumentar a oferta de crédito e reduzir o custo dos empréstimos, tanto para o tomador como para as instituições financeiras.
Como se vê, cidadãos e empresas têm muito a ganhar com o Marco Legal das Garantias, uma legislação bastante auspiciosa para os mercados imobiliário e de capitais por seu potencial de ampliação de operações de crédito e de atração de novos investimentos para esses setores.
Décio de Andrade e Marina de Barros Monteiro são sócios do escritório Miguel Neto Advogados.
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Publicado em Gazeta do Povo.