A Câmara dos Deputados aprovou na última quarta-feira (10) o projeto de regulamentação da reforma tributária após ampla negociação. O texto simplifica o sistema tributário e prevê a isenção total de impostos sobre os alimentos da cesta básica, a devolução de tributos para famílias de baixa renda e define uma taxação extra de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Antes de começar a valer, a proposta será novamente analisada pelo Senado e precisa receber a sanção presidencial. A previsão é de que a aprovação aconteça ainda neste ano, permitindo que a nova legislação comece a entrar em vigor em 2025.
Simplificação
O ponto central da reforma define o fim das cobranças de PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS. Os cinco tributos serão substituídos por outros três: o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e o IS (Imposto Seletivo).
O IBC será uma contribuição compartilhada por estados e municípios. O novo tributo entrará no lugar do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e do ISS (Imposto sobre Serviços). Já a CBC vai substituir o PIS (Programa de Integração Social), a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), cobrança de natureza federal.
As mudanças resultam na criação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) Dual. Com alíquota máxima 26,5%, o tributo será o responsável pela unificação da CBS (8,8%) e do IBS (17,7%) e alcança todas as operações de bens e serviços, que serão taxados exclusivamente no destino. Caso a cobrança supere a trava definida pelos deputados, o governo será obrigado a definir uma forma de reduzir a carga tributária.
“A CBS e o IBS não integrarão suas próprias bases de cálculo, facilitando a compreensão de quanto efetivamente é o custo tributário de cada operação”.
Marcos Piqueira, sócio do Maneira Advogados
A implementação das mudanças será gradual, entre 2025 e 2033. O ICMS e o ISS serão os últimos tributos a serem extintos. “Durante esse período, haverá avaliações quinquenais para verificar a eficácia das políticas implementadas e fazer os ajustes necessários”, explica Thiago Marini, especialista em direito tributário do Miguel Neto Advogados.
Cesta básica
A regulamentação da reforma tributária traz a isenção total de alimentos básicos. A medida vale para a certa básica definida pelo governo, integrada por arroz, feijão, carnes, farinha de mandioca, farinha de trigo, açúcar, macarrão e pão comum; mandioca, inhame, batata-doce e coco; café, óleo de soja e óleo de babaçu; manteiga, margarina, leite fluido, leite em pó e fórmulas infantis definidas por previsão legal específica.
Carnes, peixes, queijos e sal entraram de última hora no texto final. O relatório inicial previa a redução de 60% das alíquotas sobre os alimentos. A reversão ocorreu no plenário da Câmara com a pressão da bancada ruralista. A decisão vale para carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves (exceto foie gras), além de peixes (exceto bacalhaus, salmões, atuns, hadoque, saithe e ovas, como caviar) e crustáceos (com exceção de lagostas e lagostim).
Para os alimentos da “cesta básica estendida”, a taxação será cortada em 60%. A lista é composta por leite fermentado, bebidas e compostos lácteos; mel natural, mate, farinhas de outros cereais, amido de milho e tapioca; óleos de palma, girassol, cártamo, algodão e canola e coco, massas alimentícias recheadas; sucos naturais de fruta ou de produtos hortícolas sem adição de açúcar, adoçantes ou conservantes; e polpas de frutas sem adição de açúcar, adoçante ou conservante.
Com a decisão, sobre alimentos deve cair de 11,6% para 4,8%. O cálculo previsto pelo governo leva em conta as duas cestas de consumo (básica e estendida) e o cashback destinado à população de baixa renda. O retorno paras as famílias inscritas no Cadastro Único, aquelas com renda mensal de até meio salário por pessoa (R$ 706).
Imposto seletivo
O novo tributo cria uma taxação extra para bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Entram na relação os veículos, as embarcações e aeronaves, produtos ligados ao fumo, bebidas alcoólicas e açucaradas, bens minerais extraídos, apostas e loterias e fantasy games.
As cobranças para os automóveis serão definidas para cada modelo. A taxação vai levar em conta a potência dos automóveis, a eficiência energética, a reciclabilidade de materiais, a emissão de poluentes, o processo de fabricação e a categoria do veículo. Os carros elétricos foram incluídos ao texto final durante pelo plenário.
Alíquotas extras ainda não foram determinadas. As cobranças adicionais só serão conhecidas no fim da tramitação da reforma, mas incidirá uma única vez sobre a cadeia produtiva. Os fabricantes arcam com o IS na primeira venda, e os importadores, na entrada do bem no Brasil. Já no caso dos cigarros, o valor de referência será o preço de venda no varejo.
O foco do imposto seletivo é justamente desestimular o consumo dos bens e serviços prejudiciais. Ainda assim, o texto manteve de fora da relação os alimentos ultraprocessados, responsáveis por 10,5% das mortes precoces de brasileiros entre 30 e 69 anos todos os anos, o equivalente a 57 mil pessoas.
Armas
Regulamentação também excluí a taxação extra para armas de fogo e munições. Os produtos ligados ao armamento, presentes no texto aprovado pelo Senado Federal, foi excluído da relação de bens e serviços prejudiciais. Uma emenda apresentada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) na tentativa de incluir as armas no Imposto Seletivo foi rejeitada.
De fora da lista, armas devem ficar mais baratas com a reforma. Com o fim o do IPI, o preço dos armamentos e munições deve cair 55% em 2027. Sem o Imposto Seletivo, os artigos podem também se beneficiar do cashback definido pela proposta e devolver 20% das alíquotas de CBS/IBS incidentes sobre as compras de armas.
Remédios
Todos os medicamentos regulados terão algum tipo de isenção. As alíquotas serão zeradas para 356 remédios vendidos com a exigência de prescrição médica, casos do diazepam, prescrito para casos de ansiedade e do atenolol, usados no tratamento da hipertensão.
Os demais 850 remédios comprados sem receita no país terão suas alíquotas reduzidas. A regra vale para os medicamentos de uso pessoal registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ou produzidos por farmácias de manipulação.
Isenção total também será aplicada a 27 vacinas. Os imunizantes mais conhecidos são aquele usualmente utilizados para a prevenção de tétano, pertussis, hepatite B, covid-19, gripe, sarampo, caxumba, dengue e febre amarela.
A reforma tributária também prevê a devolução de tributos para os consumidores de baixa renda. As regras para o cashback valerão a partir de janeiro de 2027 para a CBS e a partir de 2029 para o IBS. Serão beneficiados pela proposta as famílias inscrita no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais) com renda mensal de até meio salário mínimo (R$ 706) por membro da família.
“É uma iniciativa fantástica para aliviar o bolso dos brasileiros, especialmente dos mais pobres”.
Carlos Eduardo Navarro, da Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados
Um mecanismo ainda será utilizado para as compras de todos os membros da família. Ainda não há definição completa das regras, mas é previsto que seja divulgado um método de cálculo para as devoluções. Para ter direito ao benefício, pessoa interessadas em receber a devolução deverá também residir no território nacional e possuir CPF ativo.
Alíquotas de cashback para os serviços essenciais já estão definidas. Segundo o texto aprovado, haverá devolução de 100% da CBS e de 20% do IBS na compra de botijão de gás de 13 Kg e nas contas de luz, água, esgoto e gás natural. Nos demais casos, exceto para produtos com incidência de imposto seletivo, a devolução será de 20%.
Os serviços periódicos, como luz, água e gás natural, terão o valor de devolução diretamente nas contas seguintes. Nos demais casos, a regulamentação aprovada define que o governo deve transferir o cashback aos bancos em até 15 dias após a apuração. Caberá à instituição financeira o repasse em 10 dias.
Bares e restaurantes
Os deputados ouviram os apelos e incluíram o setor no regime de não cumulatividade. A definição permite que os bares e restaurantes se apropriem de créditos do IVA para deduzir parte dos tributos futuros. Outra vitória para o segmento foi a exclusão das receitas não apropriadas, como gorjetas e taxas de delivery.
Setor diz que ainda vai lutar pela remoção das bebidas açucaradas do Imposto Seletivo. A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), afirma que vai transitar no Senado Federal para derrubar a cobrança adicional.
“A regulamentação agora vai para o Senado, aonde iremos mais uma vez destacar neste ponto a absoluta incoerência de sobretaxar o açúcar quando adicionado a bebidas, sendo que ele tem alíquota zero na cesta básica”.
Paulo Solmucci, presidente da Abrasel
Nanoempreendedores
A proposta também cria uma nova categoria de profissional, o nanoempreendedor. Aqueles que se enquadrarem na lista não precisarão arcar com os pagamentos do IBS e da CBS. Pode ser incluído no sistema toda pessoa física com faturamento anual de até R$ 40,5 mil que não tenha aderido ao regime simplificado do MEI (Microempreendedor Individual).
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Publicado em UOL.