Com o processo de oferta de ações da Eletrobras na reta final, a privatização da estatal de energia é vista como uma espécie “gol de honra” do programa de desestatizações do governo do presidente Jair Bolsonaro, que colocou várias estatais na mira de venda ou liquidação, mas quase nada entregou até agora.
Prometida desde 2020, a Eletrobras deve ser a primeira grande estatal de controle direto da União a ser privatizada pelo atual governo. Já os processos de venda de outras estatais, como Correios, Telebras, EBC e Dataprev, seguem sem qualquer previsão de data de conclusão.
A carteira do chamado Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do Ministério da Economia já passou por diversas revisões e cronogramas nos últimos anos, com inclusões e até mesmo retirada de projetos, e reúne atualmente 16 estatais.
O último balanço do programa de privatizações, divulgado no dia 2, prevê, além da Eletrobras, outras 3 desestatizações até o final do ano: Emgea, Ceasaminas e CBTU/MG. Na avaliação do mercado, porém, há pouquíssimas chances de conclusão em tão curto espaço de tempo.
“Desde o início do atual governo, afora a venda direta de subsidiárias da Petrobras, não se conseguiu avançar com a agenda de privatizações. O único projeto importante com chances de ser concretizado ainda este ano é a capitalização da Eletrobras”, acredita Fernando Vernalha, sócio do escritório VGP Advogados e especialista em infraestrutura.
“A privatização da Eletrobras é o que se esperava para esse governo, e deve sair, mas as demais, em minha visão, são discurso político”, avalia Fábio Luis Izidoro, advogado especialista em direito administrativo e regulatório.
Os analistas destacam que, além da proximidade do calendário eleitoral, as condições econômicas e políticas do país também não favorecem a realização de outras privatizações ou grandes leilões nesta reta final de governo.
“É muito difícil. Não apenas pelas dificuldades de cada projeto em si, mas também porque o governo estará totalmente dedicado a este gol de honra“, afirma o economista Fernando Camargo, sócio da LCA Consultoria, citando os esforços do governo para superar os últimos obstáculos para garantir a oferta de ações da Eletrobras dentro do prazo previsto.
Veja abaixo o que segue como promessa, o que foi retirado e o que avançou:
Carteira atual de estatais na fila da privatização
A carteira atual do PPI reúne atualmente 16 estatais:
- Eletrobras
- Correios
- Santos Port Authority (SPA, administradora do Porto de Santos)
- Companhia de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasaminas)
- Companhia Docas do Estado da Bahia (Codeba)
- Agência Brasileira de Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF)
- Empresa Gestora de Ativos (Emgea)
- Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro)
- Empresa Brasil de Comunicação (EBC)
- Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep)
- Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev)
- Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU)
- Telecomunicações Brasileiras (Telebras)
- Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb)
- Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA)
- Petrobras
Procurada pelo g1, a Secretaria Especial do Programa de Parceria de investimentos (SPPI) reafirmou que trabalha para concluir as desestatizações da Eletrobras, Emgea, Ceasaminas e CBTU/MG até o final do ano.
Recentemente, o governo também anunciou que decidiu unificar a Valec, estatal que administra as ferrovias do país, e a Empresa de Planejamento e Logística (EPL). A nova empresa se chamará Infra S/A e será responsável pelo planejamento e estruturação de projetos para o setor de transportes.
Por outro lado, foram criadas duas estatais de controle direto da União no governo Bolsonaro: a NAV Brasil Serviços de Navegação Aérea e a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBpar).
Inclusão da Petrobras na lista
Na semana passada, o Conselho do PPI decidiu incluir a Petrobras na lista de estudos para uma possível privatização – o que até então não tinha o apoio de Bolsonaro.
O movimento foi recebido como “discurso político” e “jogada eleitoral”, uma vez que o anúncio ocorre em meio ao desgaste do governo com a disparada dos preços do diesel e da gasolina.
“Serve mais para o discurso político, sobretudo com a elevação dos preços dos combustíveis”, diz Gesner Oliveira, economista e sócio da consultoria GO Associados. “Não vejo o governo de fato planejando pra valer a privatização da Petrobras no curto prazo”.
Pelo tamanho da empresa e controvérsia envolvendo o assunto, uma eventual privatização da Petrobras demandaria alguns anos para conseguir todas as autorizações para ir de fato à leilão. Vale lembrar que o processo de privatização da Eletrobras foi iniciado ainda em 2017, durante o governo de Michel Temer.
“É o início de processo que pode levar 2, 3 anos, fora a discussão política, TCU etc. Não é projeto nem mesmo para um eventual segundo mandato”, avalia Camargo.
Importante destacar porém que, mesmo fora do programa de privatizações, a Petrobras avançou nos últimos anos na venda de ativos, tendo já vendido diversas unidades de negócio, incluindo a privatização de subsidiárias como BR Distribuidora, Gaspetro e de parte de suas refinarias.
Por que as privatizações não avançaram?
Entre os fatores que explicam a dificuldade do governo entregar o que prometia, os analistas citam:
- uma visão muito otimista e pouco realista do governo sobre as dificuldades e longas etapas que envolvem a tramitação de projetos de privatização;
- a falta de habilidade do governo em dialogar com a sociedade, Congresso e órgãos de controle para impulsionar projetos que demandam autorização do Legislativo e mudanças legais;
- a contradição da agenda liberal de Paulo Guedes com o perfil nacionalista, corporativista e populista de Bolsonaro; e
- a piora do ambiente econômico, político e institucional do país no pós-pandemia.
“É evidente que a crise institucional e econômica pela qual vem passando o país tem dificultado o engajamento de investidores em programas de longo prazo”, afirma Vernalha, acrescentando que o “liberalismo encabulado” do discurso de campanha de Bolsonaro já era o “prenúncio de que as privatizações não avançariam”.
“Houve mais a conveniência de um discurso ultraliberal que foi inflado. E, consequentemente, o resultado, não surpreendentemente, não corresponde aquilo que foi anunciado”, resume Oliveira.
O que empacou ou foi barrado
O programa do governo chegou a prever a privatização de 6 estatais ainda em 2020. Nenhuma aconteceu – e o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a se declarar “frustrado” e viu uma debandada em sua equipe em razão da decepção com a condução da agenda liberal prometida pelo governo.
Quando assumiu o cargo, Guedes estimou que a venda de estatais poderia render mais de R$ 1 trilhão para os cofres públicos. Com a pandemia do coronavírus, os leilões viraram promessa para os dois últimos anos de governo.
Até o final do ano passado, estavam previstas 13 desestatizações em 2022, mas mesmo projetos considerados prioritários, como a privatização dos Correios, ficaram travados e seguem sem previsão de tramitação no Senado em razão de resistências de senadores.
A maioria das estatais da carteira do PPI segue na fase de estudos. Mas há casos em que a privatização não avançou pela mera constatação de falta de interesse do mercado.
Em 2020, o governo decidiu pela liquidação da Ceitec, estatal que atua na área da indústria de microeletrônica. O Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu, porém, paralisar o processo classificando o fechamento da empresa como “assassinato” e questionando a alegação de falta de retorno financeiro.
Outros projetos foram barrados por decisão pessoal de Bolsonaro. No final de 2020, o presidente anunciou que a Casa da Moeda não seria mais privatizada no seu governo e que não deixaria que “ratos sucateiem” e “privatizem” a Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo).
O que avançou
Em 2020, dentro do âmbito do PPI, o governo anunciou a liquidação e extinção de duas estatais: a Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais (Casemg) e a Companhia Docas do Maranhão (Codomar).
Até o momento, a primeira e única privatização propriamente dita realizada pelo governo foi a da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), estatal federal que administra portos Espírito Santo.
O leilão feito em janeiro foi a primeira desestatização do setor portuário da história do Brasil e um teste para a aguardada privatização do Porto de Santos (SP), o maior do país. No final de maio, o ministro da Infraestrutura, Marcelo Sampaio, afirmou que a expectativa é de publicação do edital da licitação ainda no quarto trimestre.
Para os analistas, é preciso reconhecer, entretanto, progressos na estruturação e entrega de projetos de concessão em áreas como ferrovias, terminais portuários, rodovias e aeroportos.
“É uma diminuição do estado como empresário, preponderantemente através de concessão de serviços, e não de venda de ativos. Mas isso é bastante relevante porque o que interessa é a qualidade do serviço e o aumento do investimento”, afirma o Oliveira, citando a necessidade de elevação da taxa de investimento no país e em empresas como a Eletrobras.
O governo federal também contribui para a estruturação de projetos de privatização nos estados e municípios em áreas como saneamento, resíduos sólidos e iluminação pública, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
“Conseguiram destravar bastante coisa de saneamento com o Marco Legal, que viabilizou as privatizações das empresas de saneamento, que em sua maioria são estaduais. Não teve ação direta do governo federal, mas o governo ajudou promovendo o Marco Legal do Saneamento, que trouxe mais segurança jurídica”, destacou Izidoro.
Segundo dados do PPI, desde 2019 foram concluídos mais de 150 leilões, considerando todas as iniciativas federais, além de projetos estaduais e municipais apoiados pelo governo. A carteira atual do programa reúne atualmente mais de 220 projetos de parceria com a iniciativa privada ou desestatização.
O Ministério da Economia pretende leiloar até o final de 2022 um total de 90 ativos, com previsão de contratação de R$ 190 bilhões em investimentos. O mais aguardado, depois da capitalização da Eletrobras, é o da concessão de mais 15 aeroportos, incluindo o de Congonhas, cujo leilão foi marcado para o dia 18 de agosto.
Publicado em G1