A demanda dos cinco aeroportos concedidos à iniciativa privada no governo Dilma Rousseff está, em média, 30% abaixo do projetado na época dos leilões em 2012 e 2013. Levantamento feito pelo ‘Estado’, com base em dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e nos editais de licitação, mostra que, até o ano passado, a frustração de demanda somava 40 milhões de passageiros nos aeroportos de Guarulhos (SP), Brasília, Viracopos (SP), Confins (MG) e Galeão (RJ).
A diferença entre a movimentação projetada e a real poderá se intensificar ainda mais com a atual disparada do dólar. Nesta quinta-feira, 17, a moeda americana fechou cotada em R$ 3,697 – o que poderá desestimular planos de viagens para o exterior e encarecer o preço no mercado doméstico, afirmam especialistas. A alta da cotação chega num momento em que algumas concessionárias começavam a registrar ligeira reação na demanda de passageiros – depois de uma drástica revisão nos números da época da licitação.
Com a forte recessão econômica, a curva projetada foi ficando mais distante da realidade vivida nos aeroportos. As receitas caíram e provocaram um descompasso entre o caixa e as obrigações das concessionárias. Hoje, os cinco aeroportos, que investiram bilhões na expansão dos terminais, operam com elevada ociosidade. Em Guarulhos, a capacidade subiu para 50 milhões de passageiros, mas a movimentação ficou em 37,5 milhões em 2017; em Brasília, a capacidade é de 25 milhões, para 16,8 milhões de passageiros.
O Aeroporto de Viracopos, que entrou com pedido de recuperação judicial no início deste mês, tem a pior marca entre os cinco aeroportos concedidos. Investiu R$ 3 bilhões para elevar a capacidade do terminal para 25 milhões de pessoas, mas no ano passado movimentou apenas 9,2 milhões de passageiros – ou seja, a ociosidade é de 63%. O Galeão vive o mesmo dilema, com quase 50% de ociosidade. “O fluxo de passageiros registrado em 2017 atende ao plano de negócio revisto pela concessionária, com base no cenário econômico enfrentado pelo País”, disse a concessionária, em nota.
Reequilíbrio. A frustração de demanda virou munição para as concessionárias que veem a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos. “Esse é um modelo de negócio que levava em consideração que o crescimento da economia seria contínuo; as projeções foram superestimadas, pensando num cenário que não ocorreu”, afirma Miguel Neto, sócio sênior do Miguel Neto Advogados.
Para ele, a revisão dos contratos seria a melhor saída para a crise atual dos aeroportos. Mesma opinião tem o sócio da área de infraestrutura do L.O. Baptista Advogados, Fernando Marcondes. Na avaliação dele, essa revisão poderia ocorrer por meio de alteração no prazo de concessão ou algum tipo de diferimento no valor da outorga.
Os especialistas destacam, no entanto, que a crise é resultado de uma conjunção de fatores. Além da demanda real estar descolada da projetada, os sócios dos aeroportos foram envolvidos na Operação Lava Jato e entraram em dificuldade financeira, ficando sem acesso a crédito no mercado.
O Galeão, por exemplo, teve problemas por causa da participação da Odebrecht no consórcio. Para resolver os percalços, a empreiteira vendeu sua participação à sócia Changi, de Cingapura. Assim, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) liberou empréstimo para a concessionária, que também conseguiu reestruturar o cronograma de pagamento da outorga.
Em Viracopos, os dois sócios estão envolvidos na Lava Jato. Sem dinheiro, a UTC entrou em recuperação judicial e ficou sem condições de fazer as contrapartidas na concessionária que administra o aeroporto. Depois a Triunfo Participações e Investimentos (TPI) entrou em recuperação extrajudicial. A concessionária começou a atrasar os pagamentos da outorga, descumpriu as regras do contrato e teve o processo de caducidade, que extingue a concessão, aberto pela Anac. A empresa tentou devolver a concessão, sem êxito.
Lances. Outro ponto importante e que explica parte da crise atual foi que, no leilão, os vencedores jogaram alto para arrematar as concessões e aceitaram pagar outorgas bilionárias ao governo federal. Mas, com a mudança do cenário econômico, os compromissos ficaram pesados demais para o tamanho do negócio. O resultado foi que quase todas as empresas atrasaram o pagamento da outorga.
“Para completar, as receitas acessórias (que têm origem na parte comercial dos aeroportos), que eram uma das apostas das empresas para elevar o faturamento, também foram prejudicadas pela baixa demanda”, aponta Marcondes.