Ser premiado com o troféu de “Craque do Jogo” em partida na qual falhou foi para Sidão uma humilhação. Mas, na visão da Globo, promotora da premiação por meio de votação na internet, foi parte de uma brincadeira.
Esses dois pontos de vista se chocaram na tentativa frustrada da emissora de recorrer contra decisão da Justiça que a condenou ao pagamento de R$ 30 mil ao goleiro como indenização por danos morais.
Como revelou a coluna, a 8ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo deu razão a Sidão, hoje no Concórdia-SC, negou provimento ao recurso da emissora e manteve o valor da indenização na última segunda (24).
“Por outro lado, e como já dito, a votação do indigitado prêmio da Apelante [Globo] – que em realidade espelhava apenas uma brincadeira (no jargão popular a ser ‘levada na esportiva’) – se deu ‘próximo ao fim da partida’, e mais ainda, foi feita exclusivamente pelos torcedores dos times, os quais optaram por escolher o Apelado [Sidão], ainda que em tom de ironia, como o ‘Craque do Jogo'”, diz trecho do recurso de apelação elaborado pela defesa da emissora.
Na ocasião, Sidão defendia o Vasco e falhou na derrota por 3 a 0 para o Santos em 12 de maio de 2019, pelo Brasileirão.
No intuito de convencer os desembargadores de que a empresa não ofendeu Sidão, a defesa da emissora repetiu a tese descrita acima em seu pedido.
“Insista-se que, além do prêmio ‘Craque do Jogo’ representar nada além de uma brincadeira amistosa, a votação popular se deu no final da partida e foi resultado de escolha exclusiva do público, assim como ocorria em todos os jogos”, diz outro trecho da argumentação.
No pedido, a Globo também relembrou que no processo Sidão citou o abalo emocional que sofreu quando sua mãe morreu e que o jogo em questão aconteceu no Dia das Mães. Os atletas vascaínos jogaram com os nomes de suas mães nas camisas.
Os defensores da rede de TV afirmaram que a sentença favorável ao goleiro teria “silenciado” o fato de o jogador ter apontado em sua petição inicial ter entrado em depressão depois da morte de sua mãe.
Isso é usado para indicar que a tristeza sentida por Sidão naquele jogo e sua má atuação foram reflexos da carga emocional provocada pelo fato de a partida ser disputada no Dia das Mães.
“Repise-se, dada a relevância, que a própria parte adversa [Sidão] registra, com todas as letras, que ‘por razões que não cabem aqui ser discutidas, o autor apresentou, na partida em questão, desempenho técnico incompatível com sua primorosa carreira profissional, tendo falhado em lances decisivos'”, argumentaram os advogados da emissora.
No trecho a seguir, os defensores da Globo foram mais incisivos no sentido de relacionar a atuação ruim do atleta com as emoções provocadas nele pela homenagem ao Dia das Mães:
“Dentro desse contexto de forte emoção, o Apelado reviveu os momentos de dor que passou após o falecimento de sua mãe, inclusive, e conforme dito na própria inicial, a ‘culpa pela grande perda que sofrera em razão das coisas erradas que fazia, chegando, até mesmo, a abandonar sua promissora carreira futebolística'”.
No recurso, a defesa da empresa também afirmou que Sidão não comprovou que sofreu dano moral por causa do episódio. Além disso, seus advogados contestaram o valor da indenização concedida pela Justiça ao atleta afirmando, sem sucesso, que a quantia, acrescida de juros, denota “excesso e locupletamento indevido”.
No processo, a Globo lembrou que pediu desculpas ao goleiro e mudou o sistema de votação para a escolha do ‘Craque do Jogo’.
A defesa de Sidão
Marcelo Morel Giraldes, advogado do goleiro, respondeu às alegações da emissora no recurso afirmando que a emissora tentou culpar a vítima.
“Ao contrário do que tenta fazer crer a aqui apelante, numa espúria tentativa de culpabilizar a vítima, o vexame e a humilhação sofridos por ele, recorrido, não são imputáveis ao seu baixo desempenho na partida de futebol em questão ou ao fato de o jogo ter sido disputado no Dia das Mães, data sensível para si. A causa da humilhação sofrida pelo recorrido foi a conduta da apelante, que, ainda que não tivesse a real intenção de ofender ou de humilhar o apelado – como ela afirma -, continua tendo nexo de causa em relação ao dano que aqui se discute”, escreveu o advogado.
O defensor de Sidão argumentou que, diante das circunstâncias, a Globo poderia ter deixado de entregar o troféu, poupando Sidão de “tamanha humilhação”. Essa foi uma das teses apresentadas na decisão do TJ que rejeitou o recurso.
Às 10h19 desta quarta, a coluna enviou e-mail para o departamento de comunicação da Globo oferecendo espaço neste post para a empresa comentar suas alegações na Justiça exibidas na reportagem, mas não obteve resposta até esta atualização. Caso a empresa se manifeste, o post será atualizado.
Globo tem recurso negado em polêmica do ‘Craque do Jogo’ e terá de indenizar Sidão em R$ 30 mil
Goleiro foi eleito o melhor em campo em derrota do Vasco, seu time à época, por 3 a 0 para o Santos, no Brasileirão de 2019
A TV Globoteve negado seu recurso contra a decisão que a obriga a pagar R$ 30 mil por danos morais ao goleiro Sidão, ex-Vasco, no Tribunal da Justiça de São Paulo (TJSP). O jogador processou a emissora em 2019 na 8ª Câmara de Direito Privado do TJSP após derrota do time cruzmaltino para o Santos, por 3 a 0, no qual recebeu o prêmio de “Craque do Jogo”, por votação popular. Atualmente, Sidão atua no Concórdia, clube da Série D do Campeonato Brasileiro.
O fato ocorreu no dia das mães, em 12 de maio de 2019. Nos minutos finais da partida, Sidão foi eleito, com 90% dos votos, como o melhor jogador em campo pelos torcedores. Na ocasião, o arqueiro falhou sucessivas vezes na derrota do Vasco e foi motivo de ‘chacota’ durante a transmissão. Para a defesa de Sidão, a emissora poderia “ter evitado o fato como organizadora do evento”. Ela ainda chegou a se desculpar publicamente com o goleiro após o ocorrido.
No último ano, quando a Justiça condenou a emissora, Marcelo Giraldes e Leonardo Foltran, advogados de Sidão, argumentaram que por exibir a imagem do goleiro, em “clara condição de chacota e de humilhação”, o prêmio de “Craque do Jogo”em rede nacional, o mesmo teve seu valor de mercado afetado. A Globo argumentou na decisão que a eleição foi uma escolha exclusiva do público e, após o incidente, modificou o modelo de votação – desde então, os comentaristas também decidem quem é eleito o melhor em campo nas partidas do Brasileirão e Copa do Brasil, transmitidas pela emissora.
No recurso, negado pelo desembargador Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho nesta segunda-feira, 24, o TJSP manteve a decisão inicial do juiz Antonio Conehero Júnior, em outubro de 2022. No recurso, a qual o Estadão teve acesso, o magistrado entende que a emissora tinha, de fato, os meios para “obstar a humilhação pública a que foi exposto o autor (Sidão) com a entrega do irônico troféu”.
“A ré praticou ato ilícito, pois era evidente que entregar o troféu ultrapassaria o limite da mais ácida crítica ao desempenho profissional do autor. Nada impedia a ré de anunciar o resultado da enquete com os torcedores. Estaria cumprindo seu dever de informar. Mas a ré foi além, e fez a entrega do troféu, incorrendo em evidente exercício abusivo de direito, sendo despropositado sustentar que o autor que estava trabalhando, e não se divertindo com amigos em partida defutebol deveria receber o fato com bom humor”, pontua o relator.
Inicialmente, Sidão pedia uma indenização no valor de R$ 1 milhão por danos morais; a Justiça diminuiu para que a emissora arque com R$ 30 mil em danos morais, além dos honorários advocatícios de 20% sobre o valor da condenação.
A reportagem do Estadão entrou em contato com TV Globo, mas não obteve retorno. A defesa do goleiro emitiu uma nota oficial (veja abaixo). A decisão do TJSP ainda cabe recurso por parte da emissora.
Confira nota divulgado pela defesa de Sidão:
Apesar de baixo o valor da condenação imposta à Globo em relação ao sofrimento e à humilhação a que o jogador foi exposto, o resultado do julgamento é de extrema importância não só para o Sidão (que teve reconhecida a violação à sua dignidade, ocasionada por ação absolutamente despropositada por parte da emissora), mas também à sociedade como um todo, pois nos lembra que a liberdade de expressão não é absoluta e encontra seus limites objetivos na fronteira dos direitos alheios.
No caso, a Globo, ao entregar aquele infame troféu ao Sidão, atuou triplamente para perpetuar a ofensa ao jogador. Uma ao recompensar o comportamento ofensivo do público online; duas, ao replicar, em rede nacional e para milhões de espectadores, a ofensa praticada na Internet; e, três, ao submeter à humilhação, em tempo real, o jogador que, como profissional e como ser humano, já estava passando por um dia difícil.
A emissora poderia, simplesmente, ter optado por não entregar o troféu ao Sidão, poupando-lhe de tamanha humilhação e constrangimento em rede nacional, mas não teve essa sensibilidade, de modo que a condenação, apesar de baixa, reflete bem a Justiça do caso, sendo exemplo a ser seguido pelo Judiciário.
Marcelo Giraldes – Miguel Neto Advogados