Os deputados aprovaram uma emenda à medida provisória (MP) 927/2020 para permitir a suspensão dos pagamentos de acordos trabalhistas até o fim deste ano, em virtude do decreto de calamidade pública. Tal suspensão poderá ser aplicada por empresas que tiveram de paralisar atividades por determinação do poder público.
A emenda ainda precisa ser aprovada – junto com o restante da MP – pelo Senado e depois ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro para entrar em vigor. Caso passe por essas etapas, ela poderá afetar trabalhadores que aderiram a planos de demissão voluntária (PDV) e que fizeram acordos de demissão e quitação de ações trabalhistas de forma parcelada.
A emenda foi proposta pela deputada Soraya Santos (PL-RJ) e foi aprovada na quarta-feira (17) pelo plenário da Câmara. Foram 315 votos favoráveis e 135 contrários. Somente os partidos de oposição orientaram suas bancadas a votar contra: PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB, PV e Rede. O deputado Vitor Hugo (PSL-GO), que é líder do governo na Casa, orientou a favor da emenda.
Pelo texto da emenda, as empresas obrigadas a paralisar atividades – parcial ou totalmente – poderão suspender acordos trabalhistas, bem como o protesto de títulos, até o dia 31 de dezembro de 2020, ou seja, durante o período do estado de calamidade pública.
Trata-se de uma moratória da dívida, pois ela permite que as parcelas que as empresas devem aos trabalhadores em eventuais acordos trabalhistas sejam suspensas. Com isso, o empregador não precisa fazer o pagamento e só volta a pagar a dívida em janeiro de 2021. O acordo passa a ter um novo prazo de vencimento.
Tome-se como exemplo um acordo trabalhista que seria pago em parcelas mensais até março de 2021. Caso a emenda entre mesmo em vigor até o fim de julho, o empregador poderá parar de pagar essa dívida de julho a dezembro e voltar a pagar a partir de janeiro de 2021, quitando o débito oito meses depois.
A deputada Soraya afirmou que a emenda é necessária porque a pandemia “impõe que seja suspenso o cumprimento dos acordos trabalhistas que foram firmados em situação de normalidade sanitária. “Estamos diante de um fato superveniente, de força maior. Trata-se da paralisação total ou parcial das atividades decretada por ato do Poder Público que compromete o faturamento das empresas, impedindo-as do cumprimento dos acordos trabalhistas firmados em condições econômicas que eram mais favoráveis”, defendeu a parlamentar.
Essa previsão de suspensão dos acordos não estava prevista no texto original da medida provisória encaminhada pelo governo em março e em vigor atualmente, explica o advogado trabalhista Antônio José Telles, sócio do Ferraz dos Passos Advocacia.
Telles acredita que a emenda é inconstitucional, pois fere o princípio do direito adquirido. “A lei não pode afetar o direito adquirido. No momento em que se fez o acordo, você não pode relativizar esse direito adquirido. Nada impede que as partes se comuniquem e eventualmente haja um outro acordo, mas aí tem que haver uma anuência. A meu ver a lei prejudica o direito adquirido do trabalhador. No momento que a empresa fez o acordo, fica admitido de forma incontroversa o direito da parte. É só uma questão de pagamento. A lei não pode simplesmente suspender aquele pagamento.”
Leonardo González, advogado trabalhista do Miguel Neto Advogados, vê a emenda como positiva, pois dá segurança jurídica aos empresários. Ele afirma que alguns juízes já vinham aplicando a suspensão dos acordos com base no estado de calamidade pública.
“A princípio pode ser algo que não soe bem nos ouvidos dos empregados, mas isso vai permitir que muitos empresários consigam retomar as suas atividades em 2021 sem que tenham um rombo na sua empresa, uma dívida muito grande ou prejuízos causados pelo próprio Judiciário ou Estado”, diz González.
Ele afirma que, uma vez que o poder público paralisa uma atividade empresarial em virtude de uma pandemia, cabe a esse mesmo poder encontrar uma solução para minimizar os efeitos da paralisação sobre a empresa.
Justiça precisa validar suspensão
Tanto González quanto Telles esclarecem que, apesar de o artigo da emenda dizer que ficam suspenso os acordos a partir da publicação da medida provisória, a aplicação não é automática. Caberá a um magistrado validar o pedido. Além de provar que sua atividade foi paralisada em virtude da pandemia, a empresa precisa demonstrar que seu faturamento foi prejudicado, explicam.
“Teria que haver uma comprovação de que a sua atividade foi paralisada por legislação estadual, municipal ou federal e comprovar que essa paralisação afetou o faturamento a tal ponto que impede a celebração de um acordo feito lá atrás”, diz Telles. “Não é automático, depende de uma avaliação do ponto de vista judiciário para que haja essa adequação, caso essa norma venha a produzir efeito.”
González acrescenta que não será um procedimento simples. “É necessário que você apresente provas robustas, fundamentos legais. Essa emenda vem para ajudar no pedido, mas é preciso que a empresa apresente também provas robustas de que passa por situação financeira complicada.”
A emenda foi incluída na MP 927, que flexibiliza uma série de regras trabalhistas durante a pandemia. A medida permite que empregador e trabalhador celebrem acordos individuais para facilitar o teletrabalho; a antecipação de férias individuais; a concessão de férias coletivas; o aproveitamento e antecipação de feriados; e a compensação do banco de horas. Também suspende exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho até o fim do ano.
Ainda não foi definida uma data para votar o texto da MP no Senado.