Projeto de lei aprovado pela Câmara prevê punição para instituição que fizer empréstimo sem autorização
Bancos e instituições financeiras que liberarem crédito consignado a aposentados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) sem autorização poderão ser multados em 10% do valor. A medida está no projeto de lei 2.131/07, aprovado pela Câmara dos Deputados na quarta-feira (9), e inclui empréstimo para servidores públicos federais e celetistas.
Apresentado pelo ex-deputado Edgar Moury (MDB-PE), o projeto, que ainda será votado no Senado, protege operações financeiras como empréstimos, financiamentos, cartões de crédito, cartões consignados de benefícios e arrendamentos mercantis.
O crédito consignado é um empréstimo que tem desconto direto no benefício ou salário de quem contrata. Com isso, o risco de calote é praticamente nulo.
Os 10% de multa a serem aplicados às instituições serão referentes ao valor depositado na conta do beneficiário de maneira automática. O banco não será multado caso prove que houve engano justificável ou que a suposta fraude ocorreu sem a participação dele ou de seus contratados.
Se a instituição financeira não provar que foi erro o que não participou do empréstimo sem consentimento, o dinheiro é revertido para o cliente lesado. O projeto determina como erro justificável a ação da empresa que não decorre de má-fé ou que não foi proposital, conforme entendimento consolidado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) em 2020, em julgamento sobre o artigo 42 do CDC (Código de Defesa do Consumidor).
Para a deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), relatora do projeto, a proposta é uma vitória que corrige anos de abuso, especialmente contra aposentados. “Ele [o projeto] foi negociado com todos os partidos, todos os líderes, com a Febraban [federação de bancos]. Pela primeira vez na história, o país estabelece que os bancos têm que criar condições para coibir a fraude definitivamente”, disse.
QUAL O OBJETIVO DO PROJETO DE LEI?
O projeto pretende evitar situações em que aposentados ou outros beneficiários recebam valores sem autorização, resultando em encargos. A liberação do consignado sem autorização, ou seja, sem que houvesse um pedido do cidadão onera o beneficiário, porque, muitas vezes, o aposentado não tem o controle do valor que entrou na conta e, se gastar, é como se tivesse aceitado o empréstimo.
Além disso, o desconto das parcelas do empréstimo diminui o benefício do INSS, no caso de aposentados e pensionistas, ou o salário do servidor público ou celetista.
O texto aprovado define que o cliente terá um prazo de 60 dias, a partir do recebimento do valor, para pedir a devolução do dinheiro depositado. A solicitação poderá ser feita por meio de qualquer canal oficial de comunicação da empresa sem necessidade de ir a uma agência física.
Milton Cavalo, presidente do Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos), vê como positiva a aprovação da lei pela Câmara. “É fundamental para coibir o assédio que os aposentados enfrentam praticamente todos os dias de instituições financeiras e de correspondentes bancários, ligando insistentemente, oferecendo empréstimos”, diz.
Em nota, a Febraban afirma que já criou uma maneira própria de autorregulação de crédito consignado em janeiro de 2020, que conta com 45 instituições financeiras, responsáveis por aplicar 1.210 punições a correspondentes bancários em razão de práticas irregulares na oferta e contratação do produto desde então.
“Com base nessas premissas, a Febraban dialoga com o parlamento, buscando contribuir com o aperfeiçoamento do projeto com vistas a encontrar o equilíbrio entre a proteção do consumidor e o modelo de comercialização do produto”, afirmou a instituição.
JUROS DO CONSIGNADO CAUSARAM POLÊMICA NESTE ANO
O projeto de lei vem em meio a um debate recente sobre as taxas de juros do consignado. A queda de braço entre bancos, representantes dos aposentados e Ministério da Previdência aconteceu em março, depois que o CNPS (Conselho Nacional da Previdência Social) reduziu as taxas sob certa pressão do ministério. A queda para 1,70% por mês no empréstimo pessoal consignado fez ao menos dez grandes bancos e financeiras deixarem de ofertar o crédito aos beneficiários do INSS.
O imbróglio só acabou após alta dos juros, intermediada pelo Palácio do Planalto e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com elevação da taxa para 1,97% ao mês, conforme decisão do conselho, mas mantendo os juros em patamar inferior ao que estava sendo praticado desde o final de 2021.
PRÓXIMOS PASSOS
O projeto de lei segue agora para o Senado onde será analisado. Caso sofra alguma mudança, retornará para a Câmara, para só depois, ler levado à sanção presidencial. Se não houver vetos, a medida começa a valer após ser sancionada pelo presidente da República.
O advogado especialista em direito fiscal, José Antonio Miguel Neto, disse que a aprovação ajuda a corrigir um problema. “O Judiciário já vinha aplicando multas e cancelando esse tipo de operação. O projeto vem para atender essa demanda do judiciário.”
De acordo com dados dos Procons de todo o Brasil, em 2022, mais de 57,8 mil queixas de golpes de empréstimo consignado foram feitas, o que representa mais de seis denúncias por hora.
Segundo Cavalo, o número assusta, mas ele nota que aposentados têm buscado mais por ajuda. “Temos percebido aumento na procura de orientação de associados no nosso departamento jurídico, que este ano já fez 800 atendimentos desse tipo”, conta.
COMO FUGIR DOS GOLPES DO CONSIGNADO
Leandro Silva de Moura, advogado especialista em direito previdenciário, diz que, para não ser vítima de golpes do consignado, o ideal é fazer todas as operações financeiras pessoalmente. “Pedir ajuda somente aos profissionais devidamente identificados, dentro da agência.”
Outra dica é bloquear o benefício para empréstimos, medida que é feita automaticamente no caso de quem se aposenta. “Uma coisa que é relativamente fácil de fazer é bloquear o benefício para solicitar empréstimos, tal medida dificulta que empréstimos sejam implantados na aposentadoria, pensão e demais pagamentos realizados pelo INSS”, explica.
E caso a pessoa seja vítima de golpe, o primeiro passo é registrar um boletim de ocorrência, em seguida entrar em contato com o INSS pelo telefone 135 para verificar o ocorrido e solicitar o bloqueio do benefício e, por fim, ir ao banco no qual os valores foram depositados.
“A pessoa precisa tomar alguns cuidados, dentre eles solicitar uma via do contrato, além dos documentos que foram colhidos, em busca de uma possível fraude, bem como obter provas para exigir seus direitos. O interessante é documentar o máximo possível, para tomar as medidas legais o quanto antes”, afirma o advogado.
COMO FUNCIONA O CONSIGNADO DO INSS?
O consignado é um crédito com desconto direto na folha de pagamento. No caso do INSS, os juros são controlados pelo CNPS. A taxa definida no conselho é o máximo que pode ser cobrado. O segurado do INSS pode comprometer até 45% do benefício com o crédito consignado. Desse total, 35% são para o empréstimo pessoal, 5% para o cartão de crédito consignado e 5% para o cartão de benefício, criado no ano passado.
Publicado em Folha de S.Paulo.