ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA PODE REDUZIR GARGALO NA JUSTIÇA E MELHORAR AMBIENTE DE NEGÓCIOS

[:pt]Dois projetos de lei em tramitação no Senado tratam de arbitragem tributária, mas com escopos diferentes

A execução fiscal é atualmente a principal responsável pelo congestionamento da Justiça brasileira. Segundo o último Justiça em Números, relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de cada 100 processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2019, apenas 13 foram baixados. As execuções tributárias são quase 40% dos processos judiciais existentes no país.

Para completar, o tempo de giro do acervo desses processos é de cerca de 6 anos e meio — ou seja, este é o tempo necessário para liquidar o acervo atual se nenhum novo caso chegasse ao Judiciário. A situação é calamitosa.

Atualmente, o contribuinte pode contestar cobranças tributárias que considera inadequadas apenas de duas formas: por via administrativa ou Judicial. Como os conflitos têm poucas vias para resolução, as execuções fiscais vão se acumulando na Justiça. A arbitragem e a mediação são alternativas viáveis para a resolução de conflitos tributários, mas ainda precisam de regulamentação.

Do ponto de vista técnico, a arbitragem permitiria que os julgamentos fossem feitos por especialistas na área tributária. Isso nem sempre ocorre no Judiciário, já que os magistrados lidam com processos de diferentes temas.

Para as empresas, a falta de resolução dos conflitos impede que os contenciosos tributários sejam retirados dos balanços, com impactos no patrimônio e nos resultados. Com a arbitragem e a mediação, o tempo seria bem menor — e em caso de vitória, o valor deixaria de ser provisionado antes.

Diante desse quadro, há uma unanimidade entre especialistas ouvidos pelo JOTA quanto aos benefícios da introdução do instituto da arbitragem tributária. No entanto, não há consenso quanto ao modelo mais adequado em um primeiro momento. A principal divergência é no estágio em que a arbitragem deveria ser adotada.

Dois projetos de lei no Senado tratam da questão. O mais antigo, o Projeto de Lei 4257/2019, é de autoria do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), e prevê a arbitragem depois de constituída dívida ativa, ou seja, após passar pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e chegar ao Judiciário. O texto estabelece que, para ter direito à arbitragem, o contribuinte precisa garantir a execução por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia. “A ideia é garantir que depois da arbitragem o valor será levantado. Como as varas estão cheias, achei que seria uma ideia interessante”, explica o procurador do Distrito Federal Flávio Jardim, que ajudou a formular o projeto de lei.

Já o Projeto de Lei 4468/2020 foi apresentado no começo de setembro pela senadora Daniella Ribeiro (PP-PB) e estabelece a arbitragem somente para matérias fáticas. A arbitragem seria usada para, por exemplo, resolver indefinições de classificação fiscal: Crocs é sandália ou sapato? Barra de cereal é achocolatado ou alimento? H2O é água aromatizada ou refrigerante? Nesse caso, as análises seriam feitas com a ajuda de especialistas técnicos, como engenheiros de alimentos. A arbitragem seria antes mesmo da lavratura do auto de infração. “A arbitragem agora deve se concentrar nessa fase prévia, fática, porque é um modo de evitar grandes conflitos, grandes litígios”, afirma Heleno Torres, professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP.

A mediação, por sua vez, é regulamentada pela Lei 13.140/2015. No entanto, por falta de normativo dos entes públicos, o método ainda não foi adotado para solucionar questões tributárias.

Acesso à jurisdição

A falta de resolução em questões tributárias impede que o Estado tenha acesso a aos recursos que considera devidos e traz ônus às empresas, que ficam com valores provisionados em balanço. “Se a gente pega os balanços de grandes empresas, as ações tributárias têm valores altíssimos”, diz Luiz Deoclecio, CEO fundador da OnBehalf Brasil, empresa de consultoria corporativa e financeira. “Isso quando é atualizado, gera um impacto no patrimônio das empresas e nos resultados”.

Com métodos alternativos de resolução de conflitos, como a arbitragem e a mediação, haveria uma ampliação de acesso à Justiça. “Seriam novas portas de acesso à jurisdição, com ampliação desse direito que é constitucionalmente garantido, que é o amplo acesso à jurisdição”, afirma Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP e presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/SP. “Da perspectiva empresarial, essa porta adicional representaria uma redução de custo, na medida em que teria uma contingência a menos”.

O professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP Heleno Torres tem avaliação semelhante: “Precisamos de um sistema multiportas para garantir eficiência na arrecadação, eficiência na solução de litígios para evitar que as empresas fiquem com contingentes tributários nos balanços por muito tempo”.

Decisões mais técnicas e rápidas

Caso seja regulamentada no país, a arbitragem tributária também traria a possibilidade de decisões mais técnicas. Isso porque os árbitros seriam especialistas em questões tributárias. “A arbitragem traz segurança jurídica, permite uma decisão mais técnica e célere. Permite decisões com pessoas capacitadas especificamente para aquele tema”, explica Alexandre Monteiro, sócio do Bocater Advogados.

Na visão de Paulo Vieira da Rocha, sócio do escritório VRBF Advogados e pós-doutorando em Direito Tributário Internacional pela USP, as câmaras arbitrais deverão ser formadas por professores de Direito Tributário.  “A partir do momento em que o procurador concordar com o contribuinte e levar o caso para uma câmara arbitral, vai ter certeza que será julgado por um tributarista. Isso é um ganho gigantesco”.

Tathiane Piscitelli, da FGV Direito SP e presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/SP, concorda. “A arbitragem tem a característica de trazer a tecnicidade, a perícia para dentro de uma análise específica”, afirma.

A arbitragem também traria celeridade aos processos tributários. Um estudo do Ipea indica que um processo de execução fiscal na Justiça Federal leva, em média, 8 anos. Na arbitragem, o tempo médio para a resolução de um conflito é entre um e dois anos, de acordo com um levantamento do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa).

“Não é de interesse de empresas corretas que esse processo demore muito tempo. Tem os custos com advogados, tem as pendências na contabilidade”, avalia Djalma Rodrigues, sócio da área tributária do escritório Miguel Neto Advogados.

Além disso, a arbitragem finaliza um litígio, sem a possibilidade de alongamento da tramitação. “A arbitragem é um método de solução de conflitos definitivo, não cabe recursos. Hoje, quando o contribuinte perde na esfera administrativa, ainda pode ir para a Justiça, e esses conflitos podem levar anos”, destaca Gustavo Schmidt, presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA).

Mudança cultural e legislativa

Especialistas ouvidos pelo JOTA dizem que, além de mudanças legislativas, é necessário alterar o pensamento, a cultura existente no Brasil de que questões tributárias só podem ser resolvidas no Judiciário. “Existe uma resistência cultural ao redor de quaisquer métodos não judiciais para a solução de conflitos tributários”, diz Priscilla Faricelli, sócia tributária do Demarest Advogados. “O tributário no Brasil tem a tradição de ser resolvido em processo administrativo, no seio da administração pública, ou em processo judicial”.

Para Felipe Fleury, sócio da área tributária do Zockun & Fleury Advogados, a mudança será um procedimento lento, “de uma cultura muito enraizada no poder Judiciário”.

Além disso, para que haja a adoção da arbitragem, são necessárias mudanças legislativas. O Código Tributário Nacional (CTN) não contém a arbitragem no artigo 156, que trata de extinção do crédito tributário. Para mudar o CTN, é preciso a aprovação de uma lei complementar, o que exige maioria absoluta da Câmara dos Deputados e do Senado para ser aprovada. Ou seja, seriam necessários os votos de 257 deputados e 81 senadores, tornando a alteração difícil do ponto de vista político.

Fazendo um breve retrospecto, a própria Lei de Arbitragem, a Lei 9.307/1996, só passou a ser mais adotada depois que o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2001, realizou um julgamento confirmando sua constitucionalidade, dando maior segurança jurídica ao instrumento.

Por isso os formuladores do Projeto de Lei 4.468/2020,  apresentado pela senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), propõem uma arbitragem antes mesmo da existência do crédito tributário, para discussões fáticas.

A advogada Priscilla Faricelli, que formulou o projeto de lei junto com os professores Selma Lemes e Heleno Torres, entende que adotar arbitragem sobre crédito tributário sem uma lei complementar traria questionamentos jurídicos. “A chance de ter uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) dizendo que a arbitragem não respeita o CTN e o artigo 146 da Constituição é muito grande”, diz. “Você criaria um instituto para ter um problema e esperar anos o Supremo declarar a constitucionalidade”.

Momento para adoção de arbitragem

O Projeto de Lei 4.468/2020, da senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), prevê arbitragem antes de haver crédito tributário. Seriam tratados casos fáticos ligados à classificação fiscal e também a questões de cálculo.

Pelo texto, a arbitragem viria antes da fase administrativa, quando há avaliação por parte do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). “Há casos que estão no Carf e que nenhum fiscal vai saber dar uma resposta”, diz o professor Heleno Torres. “Croc é sapato ou sandália? Barra de cereal é achocolatado ou alimento? Fiscal da Receita não foi preparado para esse tipo de situação”, avalia. “No caso da barra de cereal, vamos chamar na arbitragem alguém do setor de alimentos, um nutricionista, porque esse profissional foi formado para ser um especialista em alimentos”.

Na avaliação da advogada Priscilla Faricelli, só o fato de melhorar a comunicação entre Receita Federal e Procuradoria já vai permitir a redução dos litígios tributários. “Temos uma dificuldade, porque muitas vezes a Procuradoria está à frente do processo judicial, a Receita é quem faz cálculo e não temos todos em uma mesma mesa em uma ação judicial”, destaca. “A arbitragem poderia colocar todos em uma mesma mesa, o que certamente facilitaria, porque muitas vezes percebemos falta de comunicação entre Receita e Procuradoria”.

Já o Projeto de Lei 4257/2019, do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), institui a arbitragem depois da fase administrativa, quando há dívida ativa. Para ter direito de levar o caso para arbitragem, o contribuinte precisaria garantir a execução por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia.

“O projeto do Anastasia tem um escopo reduzido, porque não retira completamente essas questões do Judiciário”, diz Gustavo Schmidt, presidente do CBMA. “O projeto permite apenas que se a execução fiscal for deflagrada, em vez de serem deduzidas como embargos de devedor, que essas defesas sejam apresentadas via arbitragem. Isso restringe muito o alcance da arbitragem”.

Há quem defenda a permissão para a arbitragem ser adotada no meio do caminho, como um substituto do Carf. No entanto, seria necessária uma lei complementar para alterar o artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN) e prever a arbitragem como uma forma de suspensão de exigibilidade de crédito tributário. “Feito isso, aí as mudanças podem ser via lei ordinária. E seria uma lei ordinária do ente, do estado”, explica Tathiane Piscitelli. “Permitiria que o contribuinte, por exemplo, ao se deparar com um lançamento tributário, em vez de ir para o processo administrativo, opte por resolver aquele litígio por processo arbitral, podendo ser uma opção à esfera administrativa. Ou mesmo uma opção depois de terminado o processo administrativo”.

Custos

Os casos que são levados para arbitragem geralmente tratam de disputas envolvendo altos valores. Por isso, há dúvidas sobre qual seria o perfil dos casos a serem tratados em arbitragem tributária.

O advogado Wagner Serpa Júnior, sócio do MGA Advogados, imagina que a arbitragem tributária seria para julgar grandes cifras: “certamente, o valor será elevado, tratando de casos de milhões de reais”.

Mas essa impressão não é consenso, visto que o principal case de sucesso com relação à arbitragem tributária é Portugal, onde há um teto de € 10 milhões em relação aos litígios que podem ser levados para procedimento arbitral.

“Se você mantiver a mesma lógica da arbitragem empresarial e internacional para a arbitragem tributária, não vai dar certo”, diz o advogado Leonardo Varella Gianetti, do Rolim, Viotti e Leite Campos Advogados. “A União não vai levar o caso dela de R$ 100 milhões para a arbitragem. Só vai levar para a arbitragem quando ver que ela realmente funciona. A arbitragem tributária em Portugal deu certo porque ela é barata”.

Uma das hipóteses para reduzir os custos seria a adoção da arbitragem expedita, com procedimentos mais simples. “Também podemos ter uma instrução probatória mais bem definida em termos de complexidade para que, sem prejuízo do direito da ampla defesa, seja possível ter uma sistemática que seja mais enxuta e mais funcional para demandas de complexidade menor em razão do valor e da causa”, complementa Marcello Guimarães, presidente da Swot Global Consulting, consultoria que atua na área de arbitragem.

O Projeto de Lei 4468/2020 diz que caso o Estado tenha que arcar com algum custo, “o pagamento se dará mediante a expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor, conforme o caso”.

Já o Projeto de Lei 4257/2019 prevê que o contribuinte deve arcar com os custos da arbitragem e, se vencer a causa, tem direito a reaver o valor, só que com um limite. O teto seria metade do valor que o Estado pagaria a título de honorários advocatícios.

Mediação

A mediação, assim como a arbitragem, ainda não é adotada para litígios tributários no Brasil. A Lei 13.140/2015 trata especificamente de mediação e permite a utilização do método entre órgão públicos e contribuintes.

Só que a falta de regulamentação impede que a mediação seja usada em litígios tributários. “A mediação ainda não tem um normativo da Procuradoria, da AGU e do Ministério da Economia para que isso se torne mais rotineiro”, explica Luiz Deoclecio, CEO fundador da OnBehalf Brasil. “Não se tem ainda critérios objetivos para definir o que pode ser tratado em uma mediação”, completa.

Na mediação, um terceiro intervém para auxiliar as partes a encontrarem a solução do conflito, estimulando o diálogo e a busca de um consenso.

“A instituição da mediação seria um passo muito importante para conseguirmos a aproximação entre Fisco e contribuinte”, avalia o advogado Leonardo Varella Gianetti. “A relação entre estas partes sempre foi muito belicosa, antagônica, de modo que este instituto pode não só servir como resolução de conflitos como para mudar a cultura da relação existente. É importante que o Fisco esteja pronto para o diálogo, que ouça o contribuinte”.

Fonte: Jota[:en]Dois projetos de lei em tramitação no Senado tratam de arbitragem tributária, mas com escopos diferentes

A execução fiscal é atualmente a principal responsável pelo congestionamento da Justiça brasileira. Segundo o último Justiça em Números, relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de cada 100 processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2019, apenas 13 foram baixados. As execuções tributárias são quase 40% dos processos judiciais existentes no país.

Para completar, o tempo de giro do acervo desses processos é de cerca de 6 anos e meio — ou seja, este é o tempo necessário para liquidar o acervo atual se nenhum novo caso chegasse ao Judiciário. A situação é calamitosa.

Atualmente, o contribuinte pode contestar cobranças tributárias que considera inadequadas apenas de duas formas: por via administrativa ou Judicial. Como os conflitos têm poucas vias para resolução, as execuções fiscais vão se acumulando na Justiça. A arbitragem e a mediação são alternativas viáveis para a resolução de conflitos tributários, mas ainda precisam de regulamentação.

Do ponto de vista técnico, a arbitragem permitiria que os julgamentos fossem feitos por especialistas na área tributária. Isso nem sempre ocorre no Judiciário, já que os magistrados lidam com processos de diferentes temas.

Para as empresas, a falta de resolução dos conflitos impede que os contenciosos tributários sejam retirados dos balanços, com impactos no patrimônio e nos resultados. Com a arbitragem e a mediação, o tempo seria bem menor — e em caso de vitória, o valor deixaria de ser provisionado antes.

Diante desse quadro, há uma unanimidade entre especialistas ouvidos pelo JOTA quanto aos benefícios da introdução do instituto da arbitragem tributária. No entanto, não há consenso quanto ao modelo mais adequado em um primeiro momento. A principal divergência é no estágio em que a arbitragem deveria ser adotada.

Dois projetos de lei no Senado tratam da questão. O mais antigo, o Projeto de Lei 4257/2019, é de autoria do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), e prevê a arbitragem depois de constituída dívida ativa, ou seja, após passar pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e chegar ao Judiciário. O texto estabelece que, para ter direito à arbitragem, o contribuinte precisa garantir a execução por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia. “A ideia é garantir que depois da arbitragem o valor será levantado. Como as varas estão cheias, achei que seria uma ideia interessante”, explica o procurador do Distrito Federal Flávio Jardim, que ajudou a formular o projeto de lei.

Já o Projeto de Lei 4468/2020 foi apresentado no começo de setembro pela senadora Daniella Ribeiro (PP-PB) e estabelece a arbitragem somente para matérias fáticas. A arbitragem seria usada para, por exemplo, resolver indefinições de classificação fiscal: Crocs é sandália ou sapato? Barra de cereal é achocolatado ou alimento? H2O é água aromatizada ou refrigerante? Nesse caso, as análises seriam feitas com a ajuda de especialistas técnicos, como engenheiros de alimentos. A arbitragem seria antes mesmo da lavratura do auto de infração. “A arbitragem agora deve se concentrar nessa fase prévia, fática, porque é um modo de evitar grandes conflitos, grandes litígios”, afirma Heleno Torres, professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP.

A mediação, por sua vez, é regulamentada pela Lei 13.140/2015. No entanto, por falta de normativo dos entes públicos, o método ainda não foi adotado para solucionar questões tributárias.

Acesso à jurisdição

A falta de resolução em questões tributárias impede que o Estado tenha acesso a aos recursos que considera devidos e traz ônus às empresas, que ficam com valores provisionados em balanço. “Se a gente pega os balanços de grandes empresas, as ações tributárias têm valores altíssimos”, diz Luiz Deoclecio, CEO fundador da OnBehalf Brasil, empresa de consultoria corporativa e financeira. “Isso quando é atualizado, gera um impacto no patrimônio das empresas e nos resultados”.

Com métodos alternativos de resolução de conflitos, como a arbitragem e a mediação, haveria uma ampliação de acesso à Justiça. “Seriam novas portas de acesso à jurisdição, com ampliação desse direito que é constitucionalmente garantido, que é o amplo acesso à jurisdição”, afirma Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP e presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/SP. “Da perspectiva empresarial, essa porta adicional representaria uma redução de custo, na medida em que teria uma contingência a menos”.

O professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP Heleno Torres tem avaliação semelhante: “Precisamos de um sistema multiportas para garantir eficiência na arrecadação, eficiência na solução de litígios para evitar que as empresas fiquem com contingentes tributários nos balanços por muito tempo”.

Decisões mais técnicas e rápidas

Caso seja regulamentada no país, a arbitragem tributária também traria a possibilidade de decisões mais técnicas. Isso porque os árbitros seriam especialistas em questões tributárias. “A arbitragem traz segurança jurídica, permite uma decisão mais técnica e célere. Permite decisões com pessoas capacitadas especificamente para aquele tema”, explica Alexandre Monteiro, sócio do Bocater Advogados.

Na visão de Paulo Vieira da Rocha, sócio do escritório VRBF Advogados e pós-doutorando em Direito Tributário Internacional pela USP, as câmaras arbitrais deverão ser formadas por professores de Direito Tributário.  “A partir do momento em que o procurador concordar com o contribuinte e levar o caso para uma câmara arbitral, vai ter certeza que será julgado por um tributarista. Isso é um ganho gigantesco”.

Tathiane Piscitelli, da FGV Direito SP e presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/SP, concorda. “A arbitragem tem a característica de trazer a tecnicidade, a perícia para dentro de uma análise específica”, afirma.

A arbitragem também traria celeridade aos processos tributários. Um estudo do Ipea indica que um processo de execução fiscal na Justiça Federal leva, em média, 8 anos. Na arbitragem, o tempo médio para a resolução de um conflito é entre um e dois anos, de acordo com um levantamento do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa).

“Não é de interesse de empresas corretas que esse processo demore muito tempo. Tem os custos com advogados, tem as pendências na contabilidade”, avalia Djalma Rodrigues, sócio da área tributária do escritório Miguel Neto Advogados.

Além disso, a arbitragem finaliza um litígio, sem a possibilidade de alongamento da tramitação. “A arbitragem é um método de solução de conflitos definitivo, não cabe recursos. Hoje, quando o contribuinte perde na esfera administrativa, ainda pode ir para a Justiça, e esses conflitos podem levar anos”, destaca Gustavo Schmidt, presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA).

Mudança cultural e legislativa

Especialistas ouvidos pelo JOTA dizem que, além de mudanças legislativas, é necessário alterar o pensamento, a cultura existente no Brasil de que questões tributárias só podem ser resolvidas no Judiciário. “Existe uma resistência cultural ao redor de quaisquer métodos não judiciais para a solução de conflitos tributários”, diz Priscilla Faricelli, sócia tributária do Demarest Advogados. “O tributário no Brasil tem a tradição de ser resolvido em processo administrativo, no seio da administração pública, ou em processo judicial”.

Para Felipe Fleury, sócio da área tributária do Zockun & Fleury Advogados, a mudança será um procedimento lento, “de uma cultura muito enraizada no poder Judiciário”.

Além disso, para que haja a adoção da arbitragem, são necessárias mudanças legislativas. O Código Tributário Nacional (CTN) não contém a arbitragem no artigo 156, que trata de extinção do crédito tributário. Para mudar o CTN, é preciso a aprovação de uma lei complementar, o que exige maioria absoluta da Câmara dos Deputados e do Senado para ser aprovada. Ou seja, seriam necessários os votos de 257 deputados e 81 senadores, tornando a alteração difícil do ponto de vista político.

Fazendo um breve retrospecto, a própria Lei de Arbitragem, a Lei 9.307/1996, só passou a ser mais adotada depois que o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2001, realizou um julgamento confirmando sua constitucionalidade, dando maior segurança jurídica ao instrumento.

Por isso os formuladores do Projeto de Lei 4.468/2020,  apresentado pela senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), propõem uma arbitragem antes mesmo da existência do crédito tributário, para discussões fáticas.

A advogada Priscilla Faricelli, que formulou o projeto de lei junto com os professores Selma Lemes e Heleno Torres, entende que adotar arbitragem sobre crédito tributário sem uma lei complementar traria questionamentos jurídicos. “A chance de ter uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) dizendo que a arbitragem não respeita o CTN e o artigo 146 da Constituição é muito grande”, diz. “Você criaria um instituto para ter um problema e esperar anos o Supremo declarar a constitucionalidade”.

Momento para adoção de arbitragem

O Projeto de Lei 4.468/2020, da senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), prevê arbitragem antes de haver crédito tributário. Seriam tratados casos fáticos ligados à classificação fiscal e também a questões de cálculo.

Pelo texto, a arbitragem viria antes da fase administrativa, quando há avaliação por parte do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). “Há casos que estão no Carf e que nenhum fiscal vai saber dar uma resposta”, diz o professor Heleno Torres. “Croc é sapato ou sandália? Barra de cereal é achocolatado ou alimento? Fiscal da Receita não foi preparado para esse tipo de situação”, avalia. “No caso da barra de cereal, vamos chamar na arbitragem alguém do setor de alimentos, um nutricionista, porque esse profissional foi formado para ser um especialista em alimentos”.

Na avaliação da advogada Priscilla Faricelli, só o fato de melhorar a comunicação entre Receita Federal e Procuradoria já vai permitir a redução dos litígios tributários. “Temos uma dificuldade, porque muitas vezes a Procuradoria está à frente do processo judicial, a Receita é quem faz cálculo e não temos todos em uma mesma mesa em uma ação judicial”, destaca. “A arbitragem poderia colocar todos em uma mesma mesa, o que certamente facilitaria, porque muitas vezes percebemos falta de comunicação entre Receita e Procuradoria”.

Já o Projeto de Lei 4257/2019, do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), institui a arbitragem depois da fase administrativa, quando há dívida ativa. Para ter direito de levar o caso para arbitragem, o contribuinte precisaria garantir a execução por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia.

“O projeto do Anastasia tem um escopo reduzido, porque não retira completamente essas questões do Judiciário”, diz Gustavo Schmidt, presidente do CBMA. “O projeto permite apenas que se a execução fiscal for deflagrada, em vez de serem deduzidas como embargos de devedor, que essas defesas sejam apresentadas via arbitragem. Isso restringe muito o alcance da arbitragem”.

Há quem defenda a permissão para a arbitragem ser adotada no meio do caminho, como um substituto do Carf. No entanto, seria necessária uma lei complementar para alterar o artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN) e prever a arbitragem como uma forma de suspensão de exigibilidade de crédito tributário. “Feito isso, aí as mudanças podem ser via lei ordinária. E seria uma lei ordinária do ente, do estado”, explica Tathiane Piscitelli. “Permitiria que o contribuinte, por exemplo, ao se deparar com um lançamento tributário, em vez de ir para o processo administrativo, opte por resolver aquele litígio por processo arbitral, podendo ser uma opção à esfera administrativa. Ou mesmo uma opção depois de terminado o processo administrativo”.

Custos

Os casos que são levados para arbitragem geralmente tratam de disputas envolvendo altos valores. Por isso, há dúvidas sobre qual seria o perfil dos casos a serem tratados em arbitragem tributária.

O advogado Wagner Serpa Júnior, sócio do MGA Advogados, imagina que a arbitragem tributária seria para julgar grandes cifras: “certamente, o valor será elevado, tratando de casos de milhões de reais”.

Mas essa impressão não é consenso, visto que o principal case de sucesso com relação à arbitragem tributária é Portugal, onde há um teto de € 10 milhões em relação aos litígios que podem ser levados para procedimento arbitral.

“Se você mantiver a mesma lógica da arbitragem empresarial e internacional para a arbitragem tributária, não vai dar certo”, diz o advogado Leonardo Varella Gianetti, do Rolim, Viotti e Leite Campos Advogados. “A União não vai levar o caso dela de R$ 100 milhões para a arbitragem. Só vai levar para a arbitragem quando ver que ela realmente funciona. A arbitragem tributária em Portugal deu certo porque ela é barata”.

Uma das hipóteses para reduzir os custos seria a adoção da arbitragem expedita, com procedimentos mais simples. “Também podemos ter uma instrução probatória mais bem definida em termos de complexidade para que, sem prejuízo do direito da ampla defesa, seja possível ter uma sistemática que seja mais enxuta e mais funcional para demandas de complexidade menor em razão do valor e da causa”, complementa Marcello Guimarães, presidente da Swot Global Consulting, consultoria que atua na área de arbitragem.

O Projeto de Lei 4468/2020 diz que caso o Estado tenha que arcar com algum custo, “o pagamento se dará mediante a expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor, conforme o caso”.

Já o Projeto de Lei 4257/2019 prevê que o contribuinte deve arcar com os custos da arbitragem e, se vencer a causa, tem direito a reaver o valor, só que com um limite. O teto seria metade do valor que o Estado pagaria a título de honorários advocatícios.

Mediação

A mediação, assim como a arbitragem, ainda não é adotada para litígios tributários no Brasil. A Lei 13.140/2015 trata especificamente de mediação e permite a utilização do método entre órgão públicos e contribuintes.

Só que a falta de regulamentação impede que a mediação seja usada em litígios tributários. “A mediação ainda não tem um normativo da Procuradoria, da AGU e do Ministério da Economia para que isso se torne mais rotineiro”, explica Luiz Deoclecio, CEO fundador da OnBehalf Brasil. “Não se tem ainda critérios objetivos para definir o que pode ser tratado em uma mediação”, completa.

Na mediação, um terceiro intervém para auxiliar as partes a encontrarem a solução do conflito, estimulando o diálogo e a busca de um consenso.

“A instituição da mediação seria um passo muito importante para conseguirmos a aproximação entre Fisco e contribuinte”, avalia o advogado Leonardo Varella Gianetti. “A relação entre estas partes sempre foi muito belicosa, antagônica, de modo que este instituto pode não só servir como resolução de conflitos como para mudar a cultura da relação existente. É importante que o Fisco esteja pronto para o diálogo, que ouça o contribuinte”.

Fonte: Jota[:]

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