Após o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar inconstitucional a prisão depois da condenação em segunda instância, parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado se articulam para retomar o entendimento.
Atualmente, a Constituição diz que o réu só pode ser considerado culpado após o trânsito em julgado, ou seja, depois do esgotamento de todos os recursos em todas as instâncias da Justiça. Até semana passada, o STF adotava um entendimento que permitia a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância, o que foi revisto na última quinta-feira (7).
A decisão da Corte causou polêmica, pois possibilitou a saída da prisão de condenados por corrupção, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro José Dirceu. Por isso, deputados e senadores acreditam que é preciso mexer na Constituição, para a volta da segunda instância. Existem propostas nessa linha nas duas casas e os parlamentares falam em soluções como promover uma atualização do Código de Processo Penal (CPP), propor Propostas de Emenda à Constituição (PEC), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), chegou a sugerir até mesmo a convocação de uma nova Constituinte.
Entenda as propostas
Proposta de Emenda à Constituição
Após o resultado do julgamento do STF, duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) passaram a tramitar nas Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) do Congresso Nacional.
Uma delas, que pode mudar esse entendimento, já tramita na CCJ do Senado e deve começar a ser discutida na próxima semana. A relatoria da PEC 5/2019 é da senadora Selma Arruda (Podemos MT), com autoria do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). Essa PEC propõe uma inclusão no artigo 93 da Constituição, para autorizar a possibilidade de execução provisória da pena após condenação por órgão colegiado.
Já na CCJ da Câmara dos Deputados, tramita a PEC 410/18, de autoria do deputado Alex Manente (Cidadania-SP). No projeto, um texto alternativo que tramitará paralelamente considera a segunda instância como o chamado trânsito em julgado. Manente defende que a proposta pode ser votada já na próxima semana.
Na prática, ela acabaria com os recursos especiais e extraordinário no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no STF. Essa PEC Paralela foi apresentada devido às críticas que a PEC principal (410/18) recebeu por alterar cláusulas pétreas da Constituição, como o direito individual dos cidadãos e a presunção da inocência.
Para o advogado Ricardo Nacle, membro do conselho constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), as PECs que tramitam no Congresso não são o melhor caminho para se voltar a permitir a prisão após condenação em segunda instância. Ele defende que a PEC Paralela, que tramita na CCJ da Câmara, apresenta a solução menos polêmica.
“Acredito na possibilidade da modificação da Constituição que trata de recurso especial e do extraordinário, citada na chamada PEC Peluso, do ministro Peluso. Os artigos ali citados não fazem parte das cláusulas pétreas e, portanto, poderiam ser modificados”, garante. A chamada PEC Peluso foi apresentada em 2011 pelo então presidente do STF, ministro Cezar Peluso, como uma alternativa que possibilitaria a prisão após condenação em segunda instância e colocaria fim às protelações infindáveis nos tribunais.
A PEC propõe a imediata execução das decisões judiciais, logo após o pronunciamento dos tribunais de segunda instância, que passaria a ser entendido como o chamado trânsito em julgado. “Essa, no meu entendimento, parece uma saída viável. Definindo-se quando se dá o trânsito em julgado, não se interfere em nada na Constituição. Se houvesse essa modificação através de emenda constitucional haveria ganho para todas as demais áreas do direito que aguardam o trânsito julgado e também ajudaria com a questão do sistema recursal. Esta seria a linha menos polêmica”, afirma o advogado.
Alteração do Código de Processo Penal (CPP)
Já nessa linha, há algumas propostas em tramitação no Congresso. Uma delas, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), busca alterar o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), no qual consta que ninguém poderá ser preso salvo em flagrante delito, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou em virtude de pedido de prisão temporária ou preventiva.
Outra que também mira a mudança no CPP é do senador Lasier Martins (Podemos-RS), que também se encontra na CCJ à espera da conclusão do parecer do relator, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O projeto determina que a prisão por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente decorrente de juízo de culpabilidade poderá ocorrer a partir logo após a condenação em segundo grau, em instância única ou recursal.
Segundo o advogado Miguel Neto, sócio sênior da Miguel Neto Advogados, os projetos de lei que miram na alteração do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) são as opções mais viáveis. “Se o CPP dissesse, por exemplo, que havendo decisão em segunda instância unânime, poderia ser decretada a prisão do réu, estaria resolvida a situação”, afirma.
Neto explica que a mudança no CPP seria mais simples, pois a tramitação de um projeto de lei é mais rápida do que a de uma PEC. Além disso, precisa de um quórum bem menor, já que a aprovação se dá por maioria simples. Já na avaliação do advogado Ricardo Nacle, essa mudança poderia ser possível, no entanto, “remanesceria a questão de agora, que é mexer na Constituição. O artigo 283 do Código de Processo Penal está em sintonia com o artigo 5º da Constituição. Mesmo com a alteração, haveria conflito”, justifica.
Entretanto, as propostas vão de encontro com a opinião de ministros do STF, incluindo o presidente, Dias Toffoli, que se manifestou contra a prisão após segunda instância. Na votação, ele afirmou que “o Parlamento tem autonomia para legislar sobre o tema e revisar o CPP por meio de um projeto de lei”. Ou seja, do ponto de vista da Corte, a alteração do Código de Processo Penal não seria inconstitucional.
Convocação de nova Assembleia Constituinte
No Congresso, chegou-se a levantar a possibilidade de uma Assembleia Constituinte para definição do tema. Mencionada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, a nova Constituinte foi descartada pela presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), que afirmou que os projetos que tramitam na Casa não sugerem alteração do artigo 5º da Constituição.
Para se convocar uma Assembleia Nacional Constituinte é necessário ter representantes eleitos que poderão definir ou alterar as regras fundamentais estabelecidas na Constituição que vigora atualmente. Para o advogado Ricardo Nacle, a fala do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, não faz sentido no momento atual. “Considero uma manifestação irresponsável. A formação de uma nova constituinte não ha faz sentido. Não há razões políticas para isso”.
Uma nova Constituinte pode ser estabelecida quando a Constituição em vigor não atende ou representa a realidade vivida pelo país naquele momento. Em sua história, o Brasil teve oito Constituições, incluindo a atual de 1988, promulgada durante o governo de José Sarney. A primeira Constituição elaborada é de 1824, e as demais datam de 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967, época da ditadura militar.
Já para o advogado Miguel Neto, sócio sênior da Miguel Neto Advogados, a hipótese proposta por Alcolumbre “é pouco provável”. Ele explica que a convocação de uma nova Assembleia Constituinte é um processo “difícil” e que não faria sentido fazê-lo para a modificação apenas de um artigo.