Resultados decepcionantes nas licitações, marcadas pela participação da Petrobras, impõem uma revisão no modelo de partilha. Cessão honerosa, insegurança jurídica e cenário de incerteza afastam o interesse de investidores
A ausência de petrolíferas privadas estrangeiras nos dois leilões realizados na semana passada pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) descortinou a necessidade urgente de revisão na modelagem de licitação dos campos de pré-sal. Apesar de estarem habilitados pelo órgão regulador, os principais players mundiais não apresentaram ofertas válidas nos certames, nem mesmo na cessão onerosa, cujos blocos são comprovadamente produtivos. Apenas a
A despeito dos resultados, o governo comemorou a arrecadação de R$ 75 bilhões em bônus de assinatura: R$ 70 bilhões na cessão onerosa, recorde mundial em valor em um único leilão, e R$ 5 bilhões na 6ª rodada de partilha. Contudo, ao reconhecer a necessidade de revisão do regime de partilha logo após o primeiro certame, as autoridades podem ter influenciado a decisão dos investidores na rodada seguinte.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu a frustração: “O regime de partilha é difícil. Conversamos cinco anos sobre cessão onerosa e, no final, vendemos para nós mesmos.” O diretor geral da ANP, Décio Oddone, reconheceu que a preferência da Petrobras inibe outras petroleiras. Foi um tiro no pé.
Segundo a secretária de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME), Renata Isfer, o governo apoia projeto do senador José Serra (PSDB-SP), cuja proposta, que tramita no Congresso, elimina o polígono do pré-sal e o direito de preferência da Petrobras. “O modelo de partilha em si afasta investidores. Vamos fazer estudos concretos, de aperfeiçoamento de leilões, para melhorar a atratividade”, explica. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, garante, no entanto, que o calendário de leilões de 2020 está mantido.
Equívocos históricos
No entender de Lívia Amorim, coordenadora da área de direito administrativo e regulatório do escritório Souto Correa, os modelos de concessão e de partilha podem chegar a resultados muito semelhantes em termos fiscais. “Porém, a partilha foi inserindo muitos pagamentos na frente, o parceiro privado é quem toma o risco. Sai de royalties de 10% com possibilidade de redução para 5% para 15%. Além disso, há outra trava: antecipar receitas por meio do óleo lucro óleo”, avalia.
Claudio Porto, presidente da Macroplan, afirma que o valor leiloado, em si, representou um sucesso. “Esse é o lado cheio do copo. O lado vazio, que ganhou destaque, em parte foi por conta da expectativa criada pelo próprio governo, a meu ver muito exagerada. Também circula no mercado a informação de que a Petrobras teria jogado muito duro na negociação do valor das indenizações a que teria direito pelos investimentos em prospecção e exploração feitos anteriormente, o que afugentou todos os grandes players tradicionais do mercado”, diz.
O especialista ressalta, no entanto, que dois fatores estruturais tiveram influência decisiva para a frustração da expectativa gerada. “O primeiro é o modelo de cessão onerosa, um erro histórico que nos fez perder a melhor e mais valiosa janela de oportunidades há mais de 10 anos. Mantivemos as reservas enterradas, num momento de supervalorização do preço do petróleo para mudar um modelo regulatório que estava funcionando super bem”, afirma.
O segundo motivo, segundo Porto, é que os grandes investidores em infraestrutura ainda estão com “um pé atrás” em relação ao Brasil. “A percepção externa do país, do ambiente de negócios e de nossa segurança jurídica, é muito negativa. Bons investimentos em infraestrutura demandam longo tempo de maturação e de retorno, logo o investidor tem que se sentir seguro”, assinala. “Ainda bem que o governo está dando sinais de que pode mudar a modelagem para tornar os futuros leilões de petróleo mais atrativos. Espero que evolua nesta direção”, opina.
O presidente da InterB Consultoria, Claudio Frischtak, esclarece que os dois leilões foram bem diferentes, mas houve um conjunto de erros que explica o resultado. “Os vazios na cessão onerosa eram mais ou menos esperados. Na 6ª rodada, houve muita surpresa. No meu entender, ambos foram mal-sucedidos”, considera. “Não se pode dizer que houve sucesso com, basicamente, um player (a Petrobras). Leilão sem competição e sem ágio é um fracasso”, resume.
Frischtak só não avalia como um desastre completo, porque o primeiro certame foi de muita complexidade. “O modelo tinha várias dimensões. O problema maior era a incerteza de uma negociação com a Petrobras posteriormente, para indenizá-la pelos investimentos feitos. O ressarcimento depende de uma série de parâmetros que ninguém sabe como seria negociado. Essa incerteza deveria ter sido resolvido lá atrás entre União e Petrobras e não foi. E o governo resolveu jogar isso para quem viesse, numa negociação privada. Foi ingenuidade achar que alguém da indústria sentaria do outro lado da mesa para negociar com a Petrobras, que tem uma certa agressividade”, sustenta.
Além disso, o especialista lembra que os blocos têm a chamada curva de produção. “A Petrobras investiu e o governo licitou o excedente, só que ninguém sabe quanto é esse excedente. A pior coisa do mundo para qualquer empresário é a incerteza. Risco é uma coisa, pode mensurar. Incerteza não se mede”, explica.
No segundo leilão, a Petrobras anunciou direito de preferência em três áreas e arrematou apenas uma, destaca o presidente da InterB. “Foi mais um elemento. A Petrobras agiu como a antiga empresa, com posição de monopólio. Abertura de fato para o setor privado somente vai ocorrer no dia em a que a estatal for reorganizada, dividida em três, e esses ativos forem privatizados. Aí vamos ter um ambiente mais normal. Hoje, a competição é muito limitada.”
Para Miguel Neto, sócio do Miguel Neto Advogados, a falta de competitividade foi resultado da insegurança jurídica. “Tenho tentado responder para clientes estrangeiros porque em 2009 podia, em 2016, não podia e, em 2019, pode de novo. Isso deixa investidor preocupado. Existem discussões jurídicas e ações populares para suspender o leilão. Além disso, o ambiente da América Latina não é propício”, argumenta.
O fator meio ambiente
Embora o governo tenha se esforçado para defender que o vazamento de óleo que atinge o litoral do Nordeste não influenciou no resultado dos leilões, os especialistas discordam. O ministro Bento Albuquerque assegura que a exploração offshore (no mar) cresceu 50% e os vazamentos de óleo caíram 80%. “Isso mostra que há preocupação por parte dos órgãos de controle e de meio ambiente, que estão agindo certo para mitigar os problemas que ocorrem”, sustenta.
Frischtak, contudo, alerta que o show de incompetência do governo na área ambiental, desde o início do ano, foram tiros no pé sequenciais. “Sobretudo, em relação ao desastre do vazamento. Isso afastou investidores, com certeza. Algumas pessoas do primeiro escalão do governo subestimam a importância de uma boa gestão ambiental e do respeito ao meio ambiente para o investidor”, pontua. “As justificativas do governo, a lentidão em agir, a falta de mecanismos, e falas do ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles), culpando o Greenpeace pelo derramamento de óleo, e do próprio presidente Bolsonaro, que disse ter sido coisa criminosa, pesaram no resultado dos leilões”, critica.