A nova lógica dos M&A no setor de energia

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O setor elétrico brasileiro continua a se consolidar como ambiente estratégico para operações de M&A, ainda que em um contexto de mais seletividade. Segundo levantamento da TTR Data, o Brasil registrou 537 operações de investimento entre janeiro e abril de 2025, abrangendo transações de M&A, private equity, venture capital e aquisições diretas de ativos operacionais. O volume financeiro agregado ultrapassou US$ 9,7 bilhões, representando uma retração em relação a igual período de 2024. Embora o relatório não traga segmentação setorial suficiente para isolar os dados de energia, o cenário aponta para uma desaceleração nos setores regulados e de capital intensivo — um movimento coerente com o comportamento mais cauteloso do mercado, diante do atual custo de capital e do perfil de risco desses ativos.

Paralelamente a essa redução no volume de transações, os dados operacionais do setor energético revelam uma trajetória consistente de crescimento. Entre janeiro e abril, a matriz elétrica brasileira adicionou 1.916 megawatts (MW) em capacidade, alcançando um total de 210,9 gigawatts (GW) de potência fiscalizada, segundo dados da Aneel. A expansão foi liderada por fontes renováveis, que já representam mais de 85% da capacidade instalada no país. Do lado da demanda, o consumo de energia elétrica atingiu 77.353 MW médios em fevereiro — um recorde histórico mensal — com crescimento de 4,9% em relação ao mesmo período de 2024, segundo levantamento da CCEE. Ainda que parte desse crescimento decorra de fatores climáticos, os indicadores reforçam a atratividade do setor junto a investidores — tanto no ambiente regulado, que assegura previsibilidade por meio dos contratos de venda de energia (PPAs), quanto no mercado livre (ACL), que oferece maior flexibilidade comercial. Em ambos os casos, vêm ganhando destaque estruturas contratuais mais sofisticadas, voltadas à mitigação de riscos, calibragem de preço e alinhamento entre entrega técnica e retorno econômico.

Essa sofisticação contratual se manifesta de forma distinta conforme o perfil do projeto envolvido na operação. Projetos em fase pré-operacional impõem desafios jurídicos relevantes: são ativos com outorga emitida, estudos ambientais em curso, acesso à rede aprovado e engenharia básica avançada, mas ainda sem contrato de venda de energia, licença de instalação ou cronograma físico validado. A modelagem contratual exige mecanismos de escalonamento de preço baseados em marcos técnicos e regulatórios (milestone payments), vinculação das obrigações a entregas verificáveis por documentação, e regimes de governança compartilhada — usualmente por meio de acordos de cooperação e comitês técnicos paritários com poderes deliberativos. Estruturas de preço atreladas ao sucesso comercial — seja no ACL, seja via leilões — são essenciais para calibrar riscos e assegurar equilíbrio econômico entre as partes. A ausência de PPA no momento da transação costuma ser compensada contratualmente por mecanismos de reajuste automático, penalidades progressivas, compensações retroativas e até suspensão de obrigações futuras, caso o projeto não avance conforme os marcos pactuados.

Nos ativos operacionais com potencial de reconversão tecnológica, o foco jurídico se desloca para a regulação da transição tecnológica. São usinas térmicas movidas a combustíveis fósseis, que podem ser adaptadas para operar com gás natural ou fontes renováveis híbridas após o término de seus contratos de venda de energia. O contrato de M&A incorpora cláusulas específicas para reger a reconversão, fixando parâmetros técnicos para entrega da nova planta, critérios de valoração futura do ativo convertido, regras para alocação dos investimentos e procedimentos para obtenção de novos PPAs. O vendedor, quando envolvido na reconversão, pode ser mantido na estrutura como parceiro estratégico — cabendo ao contrato delimitar com precisão os limites de sua atuação, os mecanismos de decisão conjunta e os gatilhos para sua permanência ou saída após a reconversão.

Já nos ativos com potencial de expansão — isto é, usinas já operacionais e contratadas, mas com capacidade técnica para aumento de geração —, a modelagem jurídica requer clara separação entre os fluxos operacionais existentes e o novo projeto a ser implementado. Nesses casos, costuma-se instituir nova SPE para abrigar a expansão ou manter o vendedor como sócio minoritário da estrutura atual, com cláusulas específicas para reger o desenvolvimento incremental. O contrato deve tratar da governança da expansão, direitos de preferência, critérios de valoração proporcional dos investimentos, divisão dos ganhos comerciais e impactos societários em caso de sucesso ou frustração da expansão. A atuação jurídica demanda leitura acurada das normas de outorga, das exigências ambientais adicionais e da dinâmica contratual dos novos PPAs ou contratos no ACL.

Todas essas circunstâncias atribuem ao contrato de M&A uma função muito mais complexa do que a mera formalização da transferência de controle. O contrato passa a ser um instrumento de alocação dinâmica de riscos, construção de confiança e planejamento conjunto de execução. Essa sofisticação exige do advogado uma atuação técnica multidisciplinar, com fluência regulatória, sensibilidade negocial e capacidade de traduzir premissas de engenharia e finanças em cláusulas jurídicas funcionais.

due diligence também se expande. Já não basta conferir a titularidade societária e a regularidade fiscal da SPE. É necessário avaliar o histórico regulatório do ativo, pareceres ambientais emitidos, contratos de conexão à rede, robustez técnica dos estudos executivos, reputação dos fornecedores e potenciais impactos dos marcos futuros sobre a viabilidade jurídica e econômica da operação. Contratos bem estruturados preveem redutores de preço automáticos para hipóteses de imposição de condicionantes ambientais gravosas, prazos máximos para obtenção de licenças ou perda de direitos regulatórios, além de cláusulas que vinculam obrigações acessórias a eventos objetivos e verificáveis.

Embora o volume de transações tenha diminuído, a demanda por arranjos contratuais sofisticados permanece em alta. O mercado valoriza estruturas com marcos claros de desempenho, direitos de saída definidos, calibragem equilibrada de riscos e mecanismos de governança aplicáveis mesmo em contextos de incerteza. Nesse cenário, o contrato de M&A deixa de ser um espelho do passado da empresa e passa a ser um plano de voo juridicamente ancorado — moldado para construir o futuro do ativo, cláusula por cláusula.

Matéria: Capital Aberto

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