Nova empresa deve ficar com 60% do mercado de aviação comercial do Brasil, o que acende alerta sobre falta de concorrência. Preço deve subir
Há dez dias, em 15 de janeiro, gigantes do setor brasileiro de aviação anunciaram um acordo para o início das negociações em torno de uma possível fusão. O memorando de entendimento firmado por Azul e Gol, duas das três maiores companhias aéreas do país, já movimenta o mercado e deflagrou uma série de dúvidas a respeito dos possíveis impactos econômicos da eventual união – e mesmo se os órgãos regulatórios darão aval à parceria.
De acordo com o acerto entre as duas empresas, a fusão depende do desfecho do processo de recuperação judicial da Gol nos Estados Unidos, o que deve ocorrer até meados de abril. O Conselho de Administração da nova companhia terá três conselheiros do grupo Abra – controlador da Gol –, três membros da Azul e mais três independentes. Caso a fusão se concretize, o comando do novo grupo ficará a cargo do atual CEO da Azul, John Rodgerson.
Além da conclusão da recuperação judicial da Gol nos EUA, a fusão precisará ser aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Estimativas apontam que a empresa resultante da eventual fusão responderia por cerca de 60% do mercado de aviação comercial do Brasil e teria o controle de quase 100 rotas em todo o país, praticamente sem concorrência – o que suscita questionamentos acerca da formação de um duopólio, quando apenas duas empresas possuem quase todo o mercado. Juntas, as duas companhias contam com mais de 300 aeronaves e tiveram um faturamento de R$ 25,3 bilhões entre janeiro e setembro do ano passado.
Preço da passagem vai aumentar?
Avaliação semelhante é feita por Cleveland Prates, ex-conselheiro do Cade e ex-secretário-adjunto de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. Segundo ele, “a concorrência vai diminuir e a probabilidade de elevar preços é enorme”. “Tanto que o mercado está precificando esse processo como aumento de receita, e não uma redução de custos. Tudo está levando a crer que teremos um grande problema”, disse.
Com a união entre as duas companhias, a tendência é que o número de voos diminua, já que rotas feitas atualmente tanto pela Azul quanto pela Gol ficarão concentradas em uma única empresa. Trata-se, ao fim e ao cabo, da chamada lei da oferta e da demanda, um dos princípios fundamentais da economia: se a demanda é maior que a oferta, o preço sobe.
Como se não bastassem as tarifas provavelmente mais altas praticadas pela nova empresa, há o risco de que a Latam – que hoje detém 39,4% do mercado e seria a única grande concorrente – também passe a cobrar mais dos passageiros.
Nesta semana, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, afirmou ter “muita confiança de que não haverá aumento nos preços das passagens”. “Pelo contrário, teremos o fortalecimento da aviação regional e, com isso, economicidade em muitos voos”, disse o ministro a jornalistas, na última terça-feira (21/1).
Concentração de mercado
Um dos grandes desafios de Azul e Gol para obter a aprovação regulatória será demonstrar que a fusão entre as duas empresas não representaria uma concentração excessiva de mercado, a ponto de afetar a competitividade do setor e impedir a entrada de novos concorrentes. Para Cleveland Prates, que integrou o Cade, a missão não será das mais fáceis.
Segundo o ex-conselheiro do Cade, “mais importante do que a concentração de mercado é a concentração de slots (permissão dada para que uma empresa aérea possa usar a infraestrutura aeroportuária necessária para o avião decolar ou pousar) em aeroportos-chave”.
“Se você concentra muitos slots em aeroportos de maior demanda, há mais dificuldade para que uma nova empresa ingresse no mercado porque ela vai ter problemas para entrar naquelas rotas que lhe dariam maior rentabilidade. Isso permitirá que essa nova grande empresa resultante da fusão tenha um poder de mercado muito maior. O slot pode representar uma barreira estratégica para a entrada de outras empresas”, afirma Prates.
Segundo Miguel Neto, para além do mercado concentrado em um único “player”, o domínio quase absoluto em rotas específicas também será um empecilho junto ao órgão regulador.
Projeções feitas com base nas rotas administradas hoje por Azul e Gol indicam que importantes capitais brasileiras poderiam chegar a ter oito ou até nove de cada 10 de seus voos oferecidos pela nova empresa, como Recife (88%) e Belo Horizonte (85%).
Mauro Rochlin, por sua vez, observa que a futura companhia, pelo peso enorme que exerceria sobre um setor crucial para a economia brasileira, acabaria colocando o próprio governo federal contra a parede. “Se você tem uma empresa que domina 60% do mercado aéreo e ela ‘pega uma gripe’, o responsável por tratar disso passa a ser o governo, que não poderia se eximir diante de qualquer problema que uma empresa desse porte possa ter. Então, é ruim em todos os sentidos”, diz.
Nesta semana, o Procon-SP pediu informações a Azul e Gol sobre como as duas companhias informarão os clientes a respeito do andamento das negociações para a fusão. O processo ainda é preliminar e deve ser efetivado apenas no ano que vem. O órgão avalia, no entanto, que o detalhamento das informações é necessário porque muitos clientes compram viagens de forma antecipada.
“Grandes negócios, como a fusão de companhias aéreas, sempre geram impactos nos consumidores, a começar pela estrutura em aeroportos, sistemas de gestão de venda de bilhetes, atendimento, opções de voos, entre outras questões”, justifica o Procon-SP.
Como deve ser a fusão Azul-Gol
O que dizem Azul e Gol
Procurada pelo Metrópoles, a Azul informou que “a assinatura do memorando de entendimento com a Abra tem como objetivo a criação de um negócio com sinergias, além de deixar as empresas envolvidas mais competitivas em um cenário altamente desafiador do mercado de aviação”. Segundo a companhia, “a combinação posicionará o Brasil em um nível maior de força global, promovendo a indústria aeronáutica e a economia brasileiras”.
“Os clientes também se beneficiarão diretamente com mais destinos, mais produtos e serviços, novas rotas, aumento da oferta de voos domésticos e internacionais e maior conectividade de/para qualquer região do Brasil hoje atendida por ambas as companhias, cujas rotas hoje são quase totalmente complementares, com apenas 10% de sobreposição”, diz a empresa.