Câmara rejeita taxação de herança sobre planos de previdência privada

Luciano Teixeira – São Paulo

A Câmara dos Deputados rejeitou a proposta de taxar heranças de previdência privada na reforma tributária. Por 403 votos, os parlamentares derrubaram a emenda que permitia aos estados aplicar o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre contribuições acumuladas em planos de previdência privada. Com isso, os planos de previdência, como o VGBL, não serão considerados herança e permanecerão isentos da cobrança de imposto no momento de transmissão aos beneficiários.

Origem da proposta e impacto nos estados

A ideia de taxar heranças sobre previdência privada havia sido incluída no segundo Projeto de Lei Complementar (PLP) da reforma tributária, visando atender aos interesses dos estados em aumentar a arrecadação. Os estados argumentavam que o ITCMD deveria ser cobrado porque o repasse dos valores acumulados nesses planos representa uma ferramenta de planejamento sucessório que, em muitos casos, é utilizado para evitar a tributação usual sobre heranças.

A proposta, no entanto, enfrentou resistência desde o início. Inicialmente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu não enviar o trecho ao Congresso, após críticas de diversos setores e especialistas. Mesmo assim, o relator do projeto, deputado Mauro Benevides (PDT-CE), incluiu a taxação no texto, mas limitando-a a planos com prazo inferior a cinco anos. Isso visava taxar apenas aqueles planos que não tinham o objetivo de longo prazo típico dos produtos de previdência.

Pressão e acordo para derrubar a medida

Após intenso debate e negociações, a Câmara decidiu retomar a discussão sobre o trecho específico que permitia a taxação dos planos de previdência privada. Deputados de diferentes partidos chegaram a um acordo para suprimir a proposta, considerando-a prejudicial aos contribuintes e em descompasso com o entendimento jurídico sobre o assunto. Para viabilizar o acordo, Benevides propôs uma emenda que retirou a taxação, o que permitiu que outros destaques, incluindo o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) proposto pelo PSOL, também fossem rejeitados.

Com a retirada da emenda, a reforma tributária foi aprovada sem a taxação de herança sobre previdência privada, e o texto seguiu para análise no Senado. Caso também seja aprovado pelos senadores, o projeto entrará em vigor sem alterar as regras tributárias aplicadas aos planos de previdência.

Argumentos de especialistas e cenário jurídico

Especialistas em direito tributário apontaram problemas na proposta. Para o advogado José Antonio Miguel Neto, sócio do escritório Miguel Neto Advogados, a taxação sobre previdência privada seria prejudicial e reduziria o interesse pelo produto. “Os planos de previdência sempre foram uma maneira de escapar do imposto sobre herança, já que são vistos mais como um seguro do que como patrimônio herdado. A tentativa de tributação pelos estados é uma forma de aumentar a arrecadação, mas que acabaria desestimulando esse tipo de plano de longo prazo”, comenta Miguel Neto.

A advogada Claudia Frias, especialista em direito tributário do escritório Briganti Advogados, destacou que a tributação representaria um obstáculo adicional, dado que a previdência privada é uma opção ágil para o planejamento sucessório, dispensando a burocracia do inventário tradicional. “Os estados buscam justificar o ITCMD sobre previdência privada como ferramenta sucessória, porém, os tribunais têm mostrado um entendimento contrário, considerando que esses valores não integram o patrimônio para fins de herança”, explica Frias.

Decisões judiciais recentes e o posicionamento do STF

A isenção do ITCMD para previdência privada reflete uma posição que vem ganhando força no Supremo Tribunal Federal (STF). Recentemente, o STF iniciou o julgamento do tema, no qual o ministro relator Dias Toffoli votou pela inconstitucionalidade da cobrança do ITCMD sobre os valores de previdência. A posição de Toffoli foi acompanhada pelos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, mas o julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

O tema central do julgamento é se os valores acumulados em previdência privada, especialmente em produtos como o VGBL e o PGBL, devem ser considerados parte do patrimônio da pessoa falecida para fins de transmissão hereditária. Os ministros favoráveis à isenção argumentam que esses produtos não podem ser comparados a uma herança tradicional, pois funcionam mais como um seguro destinado aos beneficiários designados, que não necessariamente são herdeiros legais.

Para a advogada e professora Mary Elbe Queiroz, pós-doutora em direito tributário, a tentativa de taxar esses planos vai contra os princípios que levaram à criação dos mesmos. “Esses planos foram criados com o objetivo de garantir uma aposentadoria complementar aos cidadãos, oferecendo benefícios fiscais para incentivar essa poupança de longo prazo. A tentativa de incluir a previdência privada na base de cálculo do ITCMD desvirtua essa finalidade e impacta a segurança financeira dos beneficiários”, ressalta Queiroz.

Vantagens e desvantagens da decisão da Câmara

A rejeição da emenda é vista como uma vitória para as seguradoras e para quem utiliza a previdência privada como uma forma de planejamento sucessório. Além de manter a atratividade do produto, a decisão evita um aumento nos custos para as famílias que usam esse mecanismo para garantir a transferência de recursos aos beneficiários sem a necessidade de um longo processo de inventário.

Por outro lado, a decisão representa uma derrota para os estados, que pretendiam aumentar a arrecadação com a inclusão do ITCMD sobre a previdência privada. A uniformização da cobrança também era um objetivo dos estados, que enfrentam divergências jurídicas sobre a validade da tributação, com decisões desfavoráveis nos tribunais.

Em resumo, a decisão da Câmara reflete um entendimento de que a previdência privada não se enquadra no conceito de herança tradicional e que sua taxação seria excessiva, sobretudo considerando os recentes posicionamentos do STF. O Senado terá agora a responsabilidade de decidir se concorda com a Câmara e mantém o texto sem a taxação.

O futuro da previdência privada e o impacto na reforma tributária

Com a reforma tributária caminhando para a análise final, a questão da taxação sobre previdência privada parece temporariamente resolvida. Contudo, o debate jurídico sobre o ITCMD continuará, especialmente no STF. A decisão do Supremo terá um peso significativo na regulamentação futura, podendo influenciar novos ajustes legislativos para definir com clareza os limites da tributação sobre esses ativos.

A reforma tributária segue, assim, para o Senado sem a inclusão do ITCMD sobre previdência privada, preservando os planos de previdência como uma forma eficaz de planejamento sucessório e poupando os beneficiários de um custo adicional. O desfecho no Senado e no STF, no entanto, será crucial para consolidar as regras tributárias aplicáveis a esses produtos nos próximos anos.

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Publicado em Lex Legal Brasil.

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