Transformação digital é aliada na busca por competitividade global
A indústria siderúrgica brasileira terá que buscar caminhos para mitigar possíveis danos à exportação com destino aos países europeus, sobretudo a partir de janeiro de 2026. Nessa data, entram em vigor os efeitos financeiros do Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, na sigla em inglês). O mecanismo adiciona valores financeiros a itens importados com grandes quantidades de emissão de carbono em seus processos produtivos, como o aço. Na prática, a produção brasileira poderá entrar com preços bem mais altos no mercado europeu.
“É importante se antecipar a eventuais riscos que o setor pode sofrer na conjuntura do CBAM”, diz Luan Santos, professor do programa de engenharia de produção da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PEP/Coppe/UFRJ) e coordenador do grupo finanças e investimentos sustentáveis (gFIS). Para ele, é o momento de o Brasil ter um olhar mais estratégico para a matriz de exportação do aço. “Temos que pensar em medidas mitigatórias, como investimentos em tecnologias verdes. Entender como o governo pode apoiar, porque exportação é um indicador macroeconômico chave na fórmula do Produto Interno Bruto [PIB]”.
Ajustar a cadeia a uma nova realidade quanto às emissões de carbono é uma discussão relevante, porém ainda não faz parte de todos os processos produtivos do aço. Rodolfo Taveira, líder para o Brasil de energia e recursos naturais da Oliver Wyman, diz que um dos caminhos viáveis no país é a rota do direct reduced iron (DRI), um processo produtivo que não utiliza carvão. “O DRI pode adotar o gás natural, o hidrogênio verde, reduzindo a pegada de emissões no setor siderúrgico. Porém, demanda minério com alto teor de pureza, encontrado principalmente no Pará”, detalha ele.
“O DRI pode adotar o gás natural, o hidrogênio verde, reduzindo a pegada de emissões no setor siderúrgico”
— Rodolfo Taveira
Esse cenário pode colocar o Brasil alguns passos à frente da China. Por outro lado, Taveira ressalta que esse processo mais limpo resulta em aço mais caro. “Não serão todas as indústrias que vão querer ou conseguir pagar”.
Indústria de base relevante para o país, a produção de aço tem reflexos em diversos setores. Segundo o Instituto Aço Brasil, cada R$ 1 milhão de alta na demanda do setor gera R$ 2,35 milhões na economia brasileira. “Além do potencial econômico, é preciso pensar também na segurança de suprimento. Portanto, fortalecer essa indústria se traduz não somente em ganhos financeiros, mais empregos etc., mas também na mitigação de riscos geopolíticos”, ressalta Patricia Muricy, sócia-líder da indústria de mineração da Deloitte.
A matriz energética mais limpa do Brasil cria condições favoráveis para que o país se torne um grande produtor de aço verde, na visão de Muricy. Mas ela alerta que os investimentos são altos, e modo que, na visão da especialista, são necessárias políticas públicas e programas para investir em pesquisa e desenvolvimento (P&D).
O programa Nova Indústria Brasil, lançado pelo governo federal neste ano, prevê cerca de R$ 300 bilhões para a “renovação” do parque industrial brasileiro até o fim de 2026. “É um plano mais abrangente e com objetivos desafiadores para as indústrias de base, em especial no que concerne aos temas ambientais. A depender de como tais recursos venham a ser aportados, pode ser um movimento muito relevante para o desenvolvimento do setor”, destaca José Nantala, consultor do Miguel Neto Advogados.
O setor de embalagens de aço espera que o programa traga efeitos positivos para o segmento, que tem entre seus produtos as latas que abastecem indústrias de tintas, cosméticos e alimentos, entre outros, e que hoje dependem de matéria-prima importada. “O aço é muito importante para logística reversa. Nosso desafio principal, no caso da lata de aço, é ter um produto com uma qualidade competitiva. Queremos ter um aço similar ao que vem de fora, com preços competitivos e alinhados ao mercado internacional”, afirma Thais Fagury, presidente executiva da Associação Brasileira de Embalagem de Aço.
O segmento, segundo ela, gera cerca de 25 mil empregos diretos e 100 mil indiretos.
Gustavo Brito, diretor global digital da IHM Stefanini, aponta a transformação digital como elemento imprescindível no movimento de reinvenção da siderurgia no Brasil. Brito, que trabalha com parcerias estratégicas com os principais produtores de aço do país, diz que a aplicação de soluções com inteligência artificial (IA), envolvendo aprendizado de máquina, tem sido uma aliada no aprimoramento dos indicadores de eficiência operacional. “Trabalhos como a IA preditiva. Posso evitar sucatas na produção e desenvolver algoritmos com foco na eficiência energética. Consigo, por exemplo, reduzir o consumo de gás natural”, diz ele.
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Publicado em Valor Econômico.