O que levou a maior padaria de São Paulo a pedir recuperação judicial com dívidas de R$ 73 milhões

Pandemia e aumento nos custos e nos preços dos insumos estão no cerne da crise da empresa, que também é dona da conhecida marca de bolos e panetones Village

Grupo dono de uma das mais tradicionais padarias da cidade de São Paulo e de uma das mais populares fabricantes de bolos e panetones do país, o Cepam entrou com pedido de recuperação judicial. As dívidas alegadas pela empresa são de R$ 73,4 milhões. A companhia é responsável pela padaria Cepam, na zona leste da capital paulista, e pela marca de panetones e bolos Village.
Criada em 1968 na Rua Ibitirama, a Cepam é considerada a maior padaria de São Paulo. São 2,5 mil metros quadrados de espaço de atendimento, com aproximadamente:
  • 16 mil pães franceses produzidos por dia
  • 11,2 mil produtos vendidos diariamente
  • 8 mil pessoas por final de semana
  • 550 funcionários
“A Cepam é hoje mais do que uma panificadora, é um ponto de encontro de pessoas de todas as regiões da cidade, das mais variadas classes, origens, profissões e costumes, que vão em busca de qualidade, inovação e, principalmente, respeito ao cliente”, diz parte do pedido de recuperação judicial feito pela empresa.
Segundo a companhia, a queda das vendas durante a pandemia, o aumento na taxa de juro e os investimentos feitos no período foram os motivos que potencializam a crise da empresa.
Agora, a empresa aguarda que a Justiça aceite o pedido para seguir com o desenvolvimento do plano de reestruturação e a suspensão da cobrança de dívidas pelo período de 180 dias. Nesta terça-feira, 30, o juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho, da vara de Falências e Recuperações Judiciais da Justiça de São Paulo, pediu mais documentos, como relatório de fluxo de caixa, para avaliar o pedido e decidir se o aceita ou não.
Qual é a história do Grupo Cepam
A história do Grupo Cepam começa há cerca de 14 anos antes da abertura da padaria. Em 1954, os amigos Germano Amaro e Antônio Diogo adquirem uma pequena panificadora na Vila Zelina, em São Paulo. Por lá, trabalham até 1968, quando decidem expandir a operação e criar uma nova padaria.
O novo ponto de venda fica na Rua Ibitirama e leva o nome de Cepam. A marca é uma homenagem ao Colégio Estadual Professor Américo de Moura, que na época ficava na mesma rua.
Três anos depois, a padaria começa a produzir bolos em larga escala, e em 1973, lançam a marca Cepam Village, para comercializar esses produtos.
É em 1981 que o grupo decide ampliar o espaço e a estrutura, passando a atuar também como restaurante, vendendo as famosas pizzas e os tradicionais almoços paulistanos, como feijoadas nas quartas-feiras e peixes às sextas-feiras.
Em 2006, mais um passo para o sucesso da padaria. Para comportar a demanda, a empresa passa por uma nova reforma, e salta de um espaço para 70 pessoas para um com capacidade de atender 320 clientes. É quando leva o selo de maior padaria de São Paulo.
Essa grande reforma possibilitou alterar também a estrutura da Village, que foi modernizada por meio de equipamentos e processos de produção, modificando todo seu catálogo de produtos e embalagens. O grande e fundamental passo foi dado em 2006, onde o Grupo Cepam enxergou de fato o seu grande sucesso, a fidelidade do seu público e relevância que tinha e tem na região, realizando uma grande reforma no seu espaço para que pudesse atender aproximadamente 320 pessoas. 
“As requerentes tornaram não só referência na região que se encontram instaladas, mas essenciais para toda comunidade local, empregando cerca de 600 funcionários e participando ativamente de diversos projetos sociais, além de honrarem o compromisso com a qualidade e o propósito em servir os seus clientes e consumidores com a excelência que norteia o seu trabalho há mais de 50 anos, o que desejam as requerentes perpetrar”, diz a defesa da empresa no pedido de recuperação judicial.
Quais foram os motivos para a crise da Cepam
Em 2020, com a pandemia e a queda na demanda, a Cepam precisou tomar empréstimos bancários para pagar funcionários e cobrir os custos de operação. A empresa chegou a desenhar estratégias para otimizar a produção e honrar os compromissos, mas o alavancamento da operação e as taxas de juro, que subiram ao longo dos últimos anos, atrapalharam os planos da padaria.
“Conquanto tenha sido uma empresa amplamente rentável até o ano de 2019, as Requerentes tiveram uma queda drástica em seu faturamento refletido pela pandemia de covid-19, o que trouxe lento retorno do seguimento de negócio no mercado devido ao panorama mundial. Em razão disso, as Requerentes contam hoje com endividamento geral superior a R$ 70 milhões”, diz o pedido.
A partir daí, foi uma bola de neve. “ O prejuízo suportado neste cenário, não poderia ser outro, causando atrasos nos pagamentos de dívidas bancárias, reparcelamentos, retenções de pagamentos por bancos, bem como problemas com tributos e toda sua movimentação financeira. Por lógica, as Requerentes não mais conseguiam saldar pontualmente suas dívidas com fornecedores, instituições financeiras e bancárias”.
Segundo a empresa, praticamente todo endividamento foi contraído logo no início da pandemia. A padaria precisou fazer investimentos altos para continuar a funcionar, principalmente por meio de delivery. Foram contratados, por exemplo, 50 motoboys para fazer as entregas dos pedidos.
Além disso, uma das épocas de maiores vendas da empresa era a Páscoa. E já no primeiro ano, a Páscoa chegou praticamente um mês após a covid-19.
“Foram centenas de milhares de devoluções de ovos de Páscoa realizadas pelas grandes redes de super e hipermercados de todos os produtos da Village, pois a devasta maioria das entregas realizadas é na modalidade de consignação, o que gerou um prejuízo gravíssimo para as requerentes”, diz o documento.
Apenas para se colocar em números, a Páscoa de 2019 contou com uma venda, em número bruto, de R$ 32 milhões, enquanto a Páscoa de 2020 sofreu uma queda de 50%, com valor faturado de R$ 16 milhões.
“Vale mencionar, ainda, que, além dos efeitos da própria retração do mercado, os constantes e significativos aumentos nos preços dos insumos voltados para a produção, no triênio 2020; 2021 e 2022, pressionaram fortemente os custos operacionais, determinando margens de contribuição cada vez menores”.
Para fechar, um dos credores da empresa chegou a pedir falência do grupo no ano passado, o que fez com que outros credores corressem para buscar seus créditos, ajuizando ações de execução contra a empresa.
“O pedido de recuperação judicial da Cepam é mais um exemplo de como a pandemia de covid-19 afetou drasticamente a atividade empresarial e repercute até os dias de hoje”, afirma a advogada Giovanna Podcameni, especialista em direito empresarial do escritório Miguel Neto Advogados. “As empresas se viram não só forçadas a fecharem seus estabelecimentos e buscarem alternativas para manterem suas operações vivas, como também a contraírem vultuosos empréstimos e financiamentos, fato este até então inédito no caso da Cepam. Basta verificar sua lista de credores para constatar que a maior parte da dívida de cerca de R$ 74 milhões é composta por credores bancários e financeiros”.

A EXAME tenta contato com a empresa para uma nota oficial, e atualizará a reportagem assim que a padaria se posicionar.

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Publicado em Exame.

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