Advogados ouvidos pelo Broadcast veem possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar a medida provisória (MP) da reoneração da folha de pagamentos. Os juristas apontam precedentes do próprio STF em que a falta de urgência para a edição de MP e a “burla” à decisão do Congresso serviram como base para a derrubada de normas do governo. Mas ressaltam que o argumento da equipe econômica, sobre a falta de previsão orçamentária para a desoneração, também é forte.
Um dos precedentes apontados é a decisão da ministra Rosa Weber, hoje aposentada, de suspender a chamada “MP das Fake News”, editada pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2020. Ao atender o pedido feito por partidos da oposição, Rosa afirmou que o texto não atendia aos critérios de urgência e relevância para a edição de uma MP. No mesmo dia, a norma foi devolvida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A advogada Maria Andréia Santos, do Machado Associados, avalia que os fundamentos daquela decisão, como a ausência de urgência, também são aplicáveis à MP da reoneração. “Tanto é assim que a própria norma postergou sua vigência com relação à reoneração para 1º de abril de 2024”, afirma.
Outro precedente é a liminar da ministra Cármen Lúcia, depois referendada pelo plenário, que suspendeu a MP de Bolsonaro que dificultava o repasse de verbas para o setor cultural. A MP havia sido editada após o Congresso aprovar a lei Paulo Gustavo, que determinava apoio financeiro ao setor em decorrência da pandemia. A lei foi vetada por Bolsonaro, e em seguida o Congresso derrubou o veto presidencial.
Na decisão, Cármen apontou que a MP violava o pacto federativo. “O que se tem é um quadro no qual o presidente da República não aceita o vetor constitucional nem a atuação do Poder Legislativo e busca impor a sua escolha contra o que foi ditado pelo Parlamento, que é, no sistema jurídico vigente, quem dá a última palavra em processo legislativo”, afirmou.
De acordo com os advogados ouvidos pela reportagem, a situação é parecida com a MP da reoneração. Poucos dias após o Congresso derrubar o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e manter a desoneração da folha de pagamento de 17 setores, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou no final de dezembro a MP que reonera gradualmente a folha. A justificativa é amortecer o impacto para os cofres públicos.
A MP já foi questionada no Supremo pelo partido Novo e o processo foi distribuído para o ministro Cristiano Zanin, que será o responsável por analisar o pedido de liminar para suspender a norma. O que será considerado, sobretudo, são os critérios de urgência e relevância para a edição de uma MP.
Segundo a advogada Danielle Caldeirão, do Miguel Neto Advogados, o Supremo também pode se aprofundar no mérito e avaliar o argumento da equipe econômica sobre a falta de previsão orçamentária, o que pode favorecer o governo. “O STF deve ter um olhar muito voltado para a fundamentação da MP”, observa a jurista.
Além disso, no último ano, o STF ampliou o diálogo com o governo e ministros têm considerado as metas fiscais do governo em suas decisões. Por conta disso, o governo estuda acionar o Supremo contra a prorrogação da desoneração caso a MP seja devolvida por Pacheco ou derrubada pelo Congresso.
Nesse caso, o cenário é mais nebuloso: não há um entendimento formado na Corte a respeito desoneração. Como mostrou o Estadão, a equipe econômica conta com uma vitória na Corte devido à falta de previsão orçamentária para o benefício.
Há pelo menos dois precedentes nesse sentido. Em 2020, no governo Bolsonaro, a Corte suspendeu a lei que elevava o piso para concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) sem fonte de custeio. Em 2022, o ministro Luís Roberto Barroso suspendeu a aplicação do piso nacional da enfermagem pelo mesmo motivo. Depois, ele liberou o pagamento com uma série de critérios.
A via jurídica, contudo, só deve ser usada em último caso. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já disse que busca alternativas e o governo pode até mesmo enviar uma nova MP, que tenha mais chances de passar no Congresso. Se isso ocorrer, a ação protocolada pelo Novo perde objeto e não poderá ser julgada.
“Os contribuintes ficam nessa insegurança jurídica, porque tudo pode acontecer”, avalia o advogado Fabio Catta, do Almeida Advogados. Catta avalia, ainda, que a discussão é “extremamente política” e que o STF deve aguardar os movimentos do Congresso e do governo para começar a analisar o tema. A Corte volta do recesso judiciário em 1º de fevereiro.